O Símbolo Cristão Universal Numa Análise Pessoal

Antonio Maspoli

Introdução

O Homem apresenta grande propensão à criação de símbolos, transformando inconscientemente objetos em formas e símbolos, sendo possível verificar esta produção ou reprodução através dos fragmentos de uma análise. Para o homem primitivo, as pedras tinham o significado de morada de espíritos e/ou deuses, e eram utilizadas como marcos de objetos para veneração religiosa. Percebe-se este fato através de determinadas formações de pedras e jardins em que se denota uma alta e refinada espiritualidade. Algumas pedras cunhadas pelos povos primitivos apresentam uma leve silhueta da figura humana que representa a alma e o espírito da rocha.

Pinturas rupestres e desenhos de animais são registrados desde o período primordial. Os desenhos desses animais são encontrados em cavernas e rochas de difícil acesso e distantes dos olhares comuns, e acredita-se que seriam investidos de função espirituais durante a realização de cerimônias religiosas. A tribo que planejava caçar um mamute, por exemplo, primeiro pintava o mamute nas paredes da caverna, depois investia contra ele na pintura. Depois de vencê-lo simbolicamente sentia-se fortalecida e apta para enfrentá-lo e vencer-lo em campo aberto.

Algumas imagens sugerem o massacre simbólico dos animais para garantir a morte do animal verdadeiro pelos os caçadores. Este ritual ainda é praticado por algumas tribos da África atualmente (JUNG, 1988). Em algumas cavernas, verificam-se desenhos de homens e animais que aludem para os ritos de iniciação praticados com os meninos. Neste caso, os rapazes tomam posse de sua alma animal e sacrificam seu ser animal através do sacrifício, como por exemplo, a circuncisão, estabelecendo, então, relação com seu totem animal, para fazer parte do clã totêmico, tornando-se homem/ser humano (DURKNHEIM,1996).

Simbolismo do sagrado nos fragmentos de uma análise: o sacrifício, a Fênix e outros animais

Nas religiões e nas artes religiosas as raças e atributos de animais são associados a deuses. Nos Evangelhos tem-se a figura de São Mateus associado ao Homem, São Lucas associado ao Boi, São Marcos ao Leão; e São João à Águia (JUNG,1964, p. 230-239). Nos ritos primitivos o animal é sacrificado como parte da natureza, configurando o instinto; o homem, portanto, precisa domar seu animal interior para que não se torne perigoso e incontrolável. O sacrifício costuma se apresentar de duas formas nos rituais: como algo sagrado ou como uma forma de crime. Esse aspecto duplo do sacrifício é explicado pelo fato de que a vítima é considerada sagrada e por isso é criminoso matá-la; por outro lado, a vítima não seria sagrada se não fosse morta.

René Girard (GIRARD, 1994) considera que um certo mistério envolve a questão do sacrifício. Apesar de tudo que já foi dito sobre o assunto, nunca ninguém se questionou sobre a relação entre o sacrifício e a violência. Estudos recentes mostram que os mecanismos fisiológicos (as reações corporais) que ocorrem no ato violento são praticamente os mesmos para todos os indivíduos e pouco variam de cultura para cultura. Já que a violência pode ter parte nos sacrifícios, é interessante analisá-la.

O desejo de violência despertado leva a certas mudanças corporais que preparam o indivíduo para a luta. Esse desejo possui uma certa duração e seus efeitos são duradouros, não desaparecendo assim que o ato violento é consumado. Outro aspecto interessante da violência é que se ela não for saciada, encontrará uma vítima alternativa que a sacie. A pessoa que despertava a fúria é substituída por outra que não tem relação alguma com a fúria despertada no violento.

A etnologia confirma que o sacrifício ritual, assim como a violência, se utiliza de uma forma de substituição. Há, por exemplo, uma comunidade pastoril no alto Nilo – os Nuer – que possui uma comunidade bovina paralela à dos homens. Há diferenças hierárquicas que podem ser reconhecidas pela forma dos chifres dos animais, cor do pelo, idade, sexo e linhagem. Cada indivíduo na sociedade possui um nome que designa um animal e cuja posição social equivale à posição hierárquica do boi. Os sacrifícios feitos com os bois seriam, na verdade, dirigidos ao indivíduo correspondente. Os bois substituem os homens. A sociedade desvia a violência que seria investida contra os indivíduos para uma criatura indiferente e sacrificável.

A violência só pode ser apaziguada se a ela for oferecida uma válvula de escape. Desviando-se a violência para a vítima sacrificial, ela perde de vista seu objeto inicial, preservando-o. Porém, a vítima substituta deve morrer, caso contrário não estará substituindo a vítima inicial. Também não se deve perder de vista o objeto inicial que está sendo representado pelo substituto.

O sacrifício sempre foi definido como um mediador entre o indivíduo que o pratica e uma divindade. A divindade deve, pois, ser considerada um aspecto inerente ao sacrifício. Nesse aspecto, porém, o sacrifício exige certo grau de desconhecimento. Os fiéis desconhecem o papel desempenhado pela violência. Acreditam que um deus exige as vítimas, assim, o sacrifício seria uma forma de acalmar a fúria desse deus. Há então, relações conflituais mascaradas e apaziguadas pelo sacrifício e sua relação com a divindade.

Alguns autores acreditam que o sacrifício corresponde a uma operação de transferência das tensões da sociedade, dos rancores e vontades recíprocas de agressão à uma vítima. Nesse caso o sacrifício teria uma função real e a substituição ocorreria no nível de toda a sociedade. A vítima não substitui um indivíduo em particular, mas sim todos os membros da sociedade e é também oferecida à toda a sociedade. O sacrifício protege toda a comunidade de sua própria violência. A vítima sacrificada concentra em si toda a desavença da sociedade, oferecendo uma saciação parcial a essa desavença. A função social do sacrifício é eliminar as desavenças e as rivalidades entre os indivíduos da sociedade e restaurar a unidade e harmonia dessa sociedade.

Existe um episódio interessante envolvendo o sacrifício de um boi no sertão do Ceará na comunidade Religiosa do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, (GOMES, 2009). Padre Cícero, amigo do beato, sempre o visitava em Baixa Dantas. Um dia, padre Cícero deu-lhe de presente um touro de raça. José Lourenço, então, passou a cuidar do animal com o maior zelo, preparando-lhe estábulo condigno. O povo acreditava que o boi havia sido benzido pelo Padre Cícero, e por isso seria portador de virtudes divinas. O touro recebeu o nome de Mansinho. Com o tempo, Mansinho passava a receber as efusivas manifestações de credulidade dos sertanejos. Enfeitavam-lhe os chifres com grinaldas de flores. Faziam-lhe oferendas de cargas de rapadura e de farinha.

Em 1921, surgiu o boato de que o boi estava sendo adorado pela comunidade. Então se dizia que até a urina do animal, por ele distribuída, era eficaz medicamento para todas as moléstias, que dos seus cascos eram extraídos fragmentos para, em pequenos saquinhos, serem pendurados ao pescoço, como relíquias, à moda do Lenho Santo; que todos se ajoelhavam em adoração diante do touro e lhe davam de beber mingaus e papas(LOURENÇO FILHO, pp.93-97, 1926).

A crença nos milagres do boi despertou a ira do deputado Floro Bartolomeu. Floro Bartolomeu, chefe religioso, político e militar de Juazeiro era então o deputado federal mais importante do Ceará. Floro, o braço político do Pe. Cícero, comia a sua mesa. Floro temia pela concorrência do Mansinho com o culto de Juazeiro do Norte. A fim de preservar Juazeiro do Norte tomou uma atitude. Prendeu José Lourenço por 18 (dezoito) dias e matou o boi, num ato denominado por ele de combate ao fanatismo. O boi foi sacrificado em praça pública e todos os líderes do Caldeirão obrigados a comer da sua carne. O sacrifício do boi teve um caráter sagrado para o povo que se recusou a comer da sua carne e a beber do seu sangue. (GIRARD, 1994;A Gazeta do Carirri, 26 de Janeiro de 1922).

Outro símbolo sofisticado do sacrifico no imaginário cristão é aquele que envolve a ave mitológica da Fênix. Uma cristã declara ao seu analista sentir-se identificada com a Fênix. O analista a orienta a compreender o simbolismo da Fênix. Na próxima sessão ela traz o seguinte relato frutos de suas pesquisas e reflexões:

O simbolismo sagrado da Fênix. Ave mítica do tamanho da águia. Pertence a tradição oral da Grécia, segundo Heródoto. E do Egito. Segundo a lenda ave originária da Etiópia. Visitava o Egito a cada quinhentos anos. Descrita como uma ave deslumbrante cuja plumagem era uma combinação de vermelho-azul-claro, púrpura e ouro. As asas eram da cor de ouro circundadas por um vermelho muito intenso. Era uma ave única. Não possuía nenhum semelhante em sua espécie. Daí a sua solidão e a necessidade de renascimento a cada quinhentos anos.  Já que não podia procriar pela falta de parceiro. Quando sentia que o seu fim era iminente a Fênix juntava plantas aromáticas, incenso e amomo, outra espécie aromática. Depois se aninhava sobre este perfume e colocava-se ao sol para ser consumida pelo fogo nesta chama perfumada. Depois ressuscitava em meio das cinzas cheirosas.

Na Bíblia encontramos o paralelo da Fênix com João 12:24 “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer,  fica só. Mas, se morrer, produz muito fruto.” Clemente de Roma interpreta a Fênix como símbolo cristão em sua Carta Primeira de Clemente Romano aos Coríntios. Clemente acreditava que a Fênix realmente existia. Nessa Carta e escrita ao final da era apostólica, a Fênix e apresentada como símbolo da ressurreição de Cristo.

A Ave Fênix Com Símbolo da Ressurreição – 1. Consideraremos o esquisito sinal (ou fenômeno) que se dá nas regiões do Oriente, isto é, nas cercanias da Arábia. 2. Há ali uma ave, que é chamada Fênix. Esta é a única da sua espécie, e vive quinhentos anos. Acontecendo aproximar-se o seu desenlace mortal, faz para si um ninho de incenso e mirra e outras especiarias aromáticas, para o qual entra quando se completa o tempo, e nele morre. 3. Mas da putrefação de sua carne surge um verme, o qual é nutrido com os detritos da ave morta, e nascem-lhe asas. Quando então, se tem desenvolvido, levanta aquele ninho onde estão os ossos de seu antecessor, e os carrega desde a região da Arábia até ao Egito, à chamada cidade de Heliópolis, 4. E em pleno dia, à vista de todos, voa sobre o altar do sol e ali dos deposita e depois retorna ao lugar primitivo. 5. Então os sacerdotes examinam os registros dos tempos e acham ela voltou quando se completou o ano quinhentos.” CLEMENTE DE ROMA, 95 AD, CAPÍTULO XXV).

Na narrativa destes fragmentos de análise a Fênix aponta para um complexo, uma neurose de fracasso. Uma neurose cuja designação etiológica aponta para os quadros clínicos caracterizados pelo sofrimento derivado de situações de fracasso ao se obter o êxito desejado. O termo “neurose de fracasso” foi criado pelo médico psicanalista René Laforgue (1894-1962) a partir dos estudos caracterológicos iniciados por Freud em 1916 no artigo “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico” (Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV, Imago, RJ). Neste artigo são examinados três tipos de pessoas: aqueles que se consideram exceções, os arruinados pelo êxito e os criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa. Dentre os casos mais famosos de pessoas que encontraram o fracasso ao alcançarem o que almejavam pode ser citado o caso de Daniel Paul Schreber, o magistrado que adoeceu gravemente ao alcançar o posto de Senatspräsident (magistrado) do império alemão, estudado por Freud no artigo “Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia” (Ed. Standard, vol. XII). Em Além do Princípio do Prazer (Ed. Standard, vol. XVIII.) Freud examina outros tipos de fracassos, relacionados com a compulsão à repetição, e que deram origem ao conceito nosográfico de neurose de destino. O Ciclo da neurose de fracasso pode ser descrito assim: o sujeito luta desesperadamente para alcançar um determinado objetivo. Após alcançá-lo, vive momentaneamente a euforia e a alegria do sucesso. Comemora este sucesso até. Em seguida mergulha num profundo sentimento de culpa. Uma culpa ás vezes indefinida. Em seguida vivencia um estado de apatia. Quando inconscientemente arquiteta a sua própria derrocada. Ao chegar ao fundo do poço, começa todo o processo novamente num grande círculo vicioso. O sujeito sente-se como se estivesse aprisionado num labirinto.

(http://www.medicinapsicossomatica.com.br/glossario/neurose_fracasso.htm)

Acessado em 05 de Agosto de 2011 as 10:00h).

A análise segue o seu curso e temos as seguintes interpretações para o relato da paciente. No plano Espiritual: A Fênix é um símbolo, um tipo de Jesus Cristo. Aquele que morreu e ressuscitou para vencer a morte. Assim a Fênix simboliza a transformação pela qual a alma passará em sua jornada até chegar aos braços de Deus. Uma boa metáfora é aquela da lagarta, que depois permanece um tempo no casulo, para finalmente virar borboleta, e voar! O fogo aqui gerado pela Fênix é símbolo de transformação espiritual. Todos servo de Deus precisa ser provado pelo fogo. “Para que a prova da vossa fé, mais preciosa do que o ouro que perece, embora provado pelo fogo, redunde para louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:7).

Em sentido psicológico a Fênix simboliza a solidão da alma que busca um parceiro neste mundo, mas sabe que sua jornada final a levará sozinha de volta ao coração de Deus. A alma tem sua origem lá, de onde saiu e para onde um dia vai regressar. “Senhor, tu nos criaste para ti e o nosso coração não encontrará descanso enquanto não descansar em ti.” (Ad tempora, SANTO AGOSTINHO). A transformação da Fênix,  das cinzas em vida, através do fogo perfumado, a cada quinhentos anos, simboliza a transformação da alma em sua jornada, neste intervalo: desde quando saiu do coração de Deus, até quando voltar para o coração de Deus. O perfume emanado do ritual de transformação e renascimento da Fênix simboliza a obra do Espírito Santo no coração do Cristão. (Genesis 1:3).

A alma precisa passar por um processo de transformação espiritual e psicológico para se revelar na sua totalidade. Aquele que passa pelo processo psicológico de identificação com o arquétipo da Fênix, está destinado a passar por algum sofrimento sim, mas conhecerá igualmente por grandes transformações espirituais e psicológicas em sua jornada espiritual. (LEXIKON, 1990).

Neste caso específico trata-se de uma paciente cristã o que facilita a identificação com o arquétipo cristão e a integração do complexo e da neurose de fracasso na sua consciência.

Simbolismo do sagrado nos fragmentos de uma análise: a pedra e a avestruz

Identificação: Chamaremos o cliente de R. Idade: 39 anos. Sexo: Masculino.

Estado civil: Casado. Religião: Protestante. O paciente, professor universitário, pastor, vive uma crise em sua vida religiosa, seu casamento e sua profissão. Os sintomas de R são: insônia, irritação, apatia, esgotamento físico e mental. Sintomas típicos de um quadro depressivo. Sua queixa principal é a dificuldade de relacionamento com sua mulher, com os filhos e com a Igreja. (mulher, filhos e igreja, todos simbolicamente representam a família). R está casado há quinze anos e está vivenciando aquela crise típica que antecede a passagem da primeira para a segunda metade da vida, geralmente chamada crise da meia idade. Este é um momento precioso para a vida humana posto que é um prenuncio de granas transformações espirituais, psicológicas e físicas que precisam acontecer

Nesta crise o sujeito pode ter a sensação de que o mundo está ruindo aos seus pés. Sente-se inadequado. Parece que nada dá mais certo em sua vida. Precisa buscar novos caminhos, novas alternativas, mas não sabe exatamente quais. Fica paralisado pela descoberta de que as estruturas herdadas da sua família de origem, que sustentaram tão bem sua vida até ali, já não lhe servem mais. Precisa descobrir suas próprias estruturas, afirmá-las perante a vida; contudo, falta-lhe força necessária para isso. Permanece paralisado diante do novo e assustador momento que a segunda metade da vida representa. Subiu a montanha da existência até aqui. Agora divisa o horizonte… Sabe que a decida é longa e penosa. Então, fica deprimido.

Neste caso a depressão pode ter um duplo sentido: significa preparação para o doloroso rito de passagem da maturidade para a velhice, que aos quarenta anos já pode ser enxergada a distância; e pode representar também a preservação da energia necessária para fazer a segunda etapa da sua viagem.

Após dois anos de análise, R narrou o seguinte sonho:

Sonhei que eu criava um casal de avestruz. A avestruz pôs um ovo e o deixou sobre algumas pedras. Eu fiquei olhando as avestruzes até divisar o ovo. Fui até onde o ovo estava e o apanhei na mão direita. Enquanto eu o segurava, ele pulsava na minha mão como se um coração estivesse batendo dentro dele1.

Iniciaremos o nosso estudo verificando os simbolismos dos elementos principais desse sonho: as pedras, a avestruz e o ovo de avestruz. Sobre o simbolismo da pedra, Lexikon (LEXIKON, 1990, p.156) afirma:

Em muitas culturas, a pedra desempenha um papel simbólico significativo. A veneração dos meteoritos é, sobretudo, bastante difundida, por serem “pedras caídas do céu”; eram tidos como expressão simbólica de uma união do Céu com a Terra. Por sua dureza e imutabilidade a pedra relaciona-se frequentemente com poderes eternos, imutáveis e divinos, sendo vista quase sempre como a expressão da força concentrada. Mas, apesar da sua solidez, ela não é vista como algo inerte e sem vida, mas sim como algo nutriente; no mito grego, por exemplo, os homens nascem, após o dilúvio, das pedras semeadas por Deucalião. Muitas pedras, geralmente meteoritos, eram consideradas como doadoras de fertilidade e produtoras de chuva; as mulheres estéreis se esfregavam nelas quando desejavam ter filhos; na primavera ou nos períodos de seca, faziam-se oferendas a elas a fim de atrair a chuva e garantir uma boa colheita. […] Uma pedra negra e sagrada fazia parte do culto à deusa-mãe Cibele. O núcleo central da vida ritual do islamismo é um aerólito negro, o Hadschar al-aswad, encastoado na Caba de Meca. A Bíblia concebe o rochedo e a pedra qualidade de símbolos de força protetora de Deus. Cristo mesmo é a ‘pedra angular’.

Quanto a Avestruz, afirma Lexikon (l990):

As penas da avestruz eram consideradas pelos egípcios símbolos da justiça e da verdade (personificação da deusa Maat e da ordem universal). Segundo a concepção medieval da natureza, o avestruz não choca os próprios ovos, mas fixa os olhos neles até os filhotes saírem da casca. O ovo de avestruz era considerado, portanto, símbolo da meditação. Segundo outras concepções, o avestruz deixa que o sol choque os seus ovos, sendo, por isso, também um símbolo de Cristo ressuscitado por Deus. O ovo da avestruz simboliza também a gravidez imaculada de Maria. (LEXIKON,1990, p.29-30):

Sobre o ovo mesmo, por ser o germe da vida, é um símbolo muito difundido da fecundidade. Lexikon

Nas concepções místicas de muitas culturas, encontra-se o ovo cósmico que – na qualidade de símbolo da totalidade dos poderes criadores – aparece nos primórdios freqüentemente boiando nas águas primordiais; dele nascem o mundo e todos os elementos, ou seja, a princípio somente o céu e a terra. No cristianismo, o ovo é geralmente considerado símbolo da ressurreição, visto que Cristo irrompeu do túmulo como um pintinho do ovo; o ovo da Páscoa, que já desempenhava um importante papel nas festas pagãs da primavera como símbolo da fecundidade, recebeu então um significado cristão específico. (LEXIKON,1990, p.29-30)

A pedra sobre a qual repousa o ovo pode significar a base moral, espiritual e material construída por este sonhador nos primeiros quarenta anos da sua vida, posto que o mesmo desenvolveu desde a tenra idade um profundo relacionamento com Deus. No mundo bíblico a pedra angular adquire um valor significativo. Sobre ela repousa todo o edifício. Cada pirâmide do Egito foi construída a partir de uma pedra fundamental. É bom lembrar que, no Novo Testamento, Cristo é apresentado como a Pedra Angular, a primeira pedra, por assim dizer, sobre a qual deverá ser construído o caráter do homem de Deus, a fim de que este seja integrado como pedra viva no tempo de Deus, o seu povo, a comunidade dos homens.

E eu te declaro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus (Mt 16,18-19).

Os apóstolos usam várias metáforas segundo as circunstâncias, não obstante com o mesmo significado. No meio destas discussões (Mateus 21:42), Jesus citou a profecia de Salmo 118:22-23 – “A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos.” Esta profecia do salmista e uma referência semelhante em Isaías 28:16 se tornaram pontos importantes na pregação apostólica. Além de três dos relatos do evangelho incluírem o comentário de Jesus (Mateus 21:42; Marcos 12:10 e Lucas 20:17), pregadores como Pedro e Paulo desenvolveram e aplicaram o mesmo tema.

Nas construções antigas, a pedra angular era a pedra de esquina que servia para alinhar toda a construção. A escolha de uma boa pedra facilitaria a construção conforme a planta. Uma pedra fora de esquadria resultaria numa construção errada. Os construtores de Israel julgavam Jesus uma pedra inadequada para o tipo de construção que eles queriam. Deus o julgou perfeito para edificar a igreja conforme a planta divina. E a pedra era Cristo: “Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta como pedra angular”. (Atos 4:11)

O próprio Deus lançou a pedra angular do mundo ou de terra, Ele a fundou, isto é, lançou a sua pedra fundamental, e estendeu sobre ela a régua(Jó 38:4). Apresenta-se o Senhor como o verdadeiro arquiteto do mundo. Ele coloca em Sião uma pedra, ‘uma pedra de granito, pedra angular e preciosa, uma pedra de alicerce bem firmada: aquele que nela puser a sua confiança não será abalado. (Isaias 28:16). Esta pedra é símbolo do messias. LEXIKON, 1990,p. 181-182).

De fato o sonho do nosso paciente encontra-se carregado de significado. O ovo que pulsa em suas mãos pode significar a introjeção da energia psíquica, o que pode estar subjacente aos processos psíquicos da sua depressão. A energia que deveria ser investida nas atividades da vida cotidiana encontra-se aprisionada no ovo que pulsa, a depressão. Ao mesmo tempo a energia é dinâmica e pulsa buscando uma saída para a crise. A angústia, neste caso, é uma forma de consumir esta energia auto investida. O ovo que pulsa pode se referir a sua própria vida, que busca tomar um novo sentido em contato com a experiência primordial do amadurecimento psíquico que se aproxima. O ovo é sinônimo de vida, transformação e renascimento. Ele prefigura o ressurgimento da sua espiritualidade, agora coroada pelo amadurecimento da fé da segunda metade da vida, que é uma fé mais transcendente e mais universal,

Ao final de dois anos de análise, R conseguiu superar aquelas dificuldades para assumir as grandes responsabilidades próprias da maturidade.

O símbolo sagrado do círculo

O círculo expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, inclusive Deus, o homem e a natureza. Na história de Buda conta-se que quando ele nasceu contemplou, de cima de uma flor de lótus, as dez direções do espaço, simbolizando a orientação psíquica do homem. Outra representação circular são as mandalas, que configuram o cosmos e sua relação com poderes divinos. As mandalas estão presentes nas auréolas dos anjos e santos. Pode-se ainda verificar a presença de mandalas na construção e formação de cidades como Roma e Washington e nas abóbadas das grandes catedrais. A mandala representa um processo inconsciente de projeção da imagem arquetípica, um símbolo da unidade psíquica na busca do equilibro pela psique.

O símbolo sagrado da cruz

Os cristãos utilizavam a cruz grega que se apresenta em forma de uma mandala, só que com o decorrer do tempo houve uma evolução para a cruz latina, havendo um deslocamento de um dos eixos da cruz para cima, representando uma evolução espiritual do homem através de sua fé(Jung,1964, P. 240-249).

Roberto Gambini escreveu Espelhos Índios, a formação da alma brasileira. Neste obra Ganbini aplica a psicologia histórica na perspectiva de Carl Gustav Jung na compreensão da história e da alma brasileira. A motivação inicial de Gambini para escrever este livro foi interpretar o sonho narrado abaixo:

“Durante uma pesquisa de campo no Posto Indígena de Araribá, São Paulo, em 1978, um índio Terena contou-me o seguinte sonho:

‘Fui até o velho cemitério guarani na Reserva e lá vi uma grande cruz. Uns homens brancos chegaram e me pregaram na cruz, de cabeça para baixo. Eles foram embora e eu fiquei desesperado. Acordei com muito medo. Este livro é uma tentativa de compreender este sonho. (GAMBINI, 2000, p. 17).

Roberto Gambini fez algo que poucos se aventuraram a fazer. Pesquisou atentamente os três grossos volumes das cartas que os Padres José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e seus companheiros de ordem trocaram entre si, a partir da sua missão no Brasil, no século XVI. Tendo esta literatura primaria como fonte, e a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung como instrumento de análise e método de pesquisa, Gambini construiu uma análise profunda sobre a formação do inconsciente coletivo e sua contribuição para a formação da alma brasileira.

Gambini interpreta este sonho a partir de uma leitura compreensiva dos mitos fundantes da alma brasileira como a visão do paraíso, atribuída aos jesuítas por Sergio Buarque de Holanda na obra que leva este nome: A Visão do Paraíso (HOLANDA,2002). Em uma nota à primeira edição, no ano de 1959, Sérgio Buarque de Holanda escreveu que em 1958 Visão do Paraíso fora impresso em tiragem limitada “e com o caráter de tese universitária” (HOLANDA,2002 p.VII). Após uma ampliação, nova distribuição de capítulos e correções, imprimiu-se a primeira edição de sua tese universitária, “destinada a um público menos exíguo” (HOLANDA,2002 p.VII). Em 1968, Sérgio Buarque escreve o prefácio da segunda edição de sua obra. Um longo prefácio que introduz o que se pretende fazer ao longo do livro. Sérgio Buarque escreve qual é seu objetivo com este trabalho:

“O que nele se tencionou mostrar é até onde, em torno da imagem do Éden, tal como se achou difundida na era dos descobrimentos marítimos, se podem organizar num esquema altamente fecundo muitos dos fatores que presidiram a ocupação pelo europeu do Novo Mundo, mas em particular da América hispânica, e ainda assim enquanto abrangessem e de certa forma explicassem o nosso passado brasileiro” (p.IX).

No V capítulo, Um mito luso-brasileiro, Holanda trata do único mito que foi criado unicamente pelos portugueses e repercutiu para toda a América. É o mito de São Tomé. A crença de que o apóstolo esteve nestas partes do mundo surge da comunicação entre portugueses e índios. Durante este capítulo, Sérgio Buarque conta os diversos vestígios que provariam a presença de São Tomé nestas partes do mundo, que contribui para aquela crença de que foram enviados apóstolos para todos os continentes. No decorrer do capítulo, Sérgio Buarque mostra como o mito foi se enriquecendo conforme se expande para as possessões de Castela.

Também pertence a Sergio Buarque a idéia do estrangeiro como o herói civilizador no Brasil. Sobre estas premissas Gambini procura também demonstrar que do choque das várias culturas indígenas, européias e africanas e de seus panteões religiosos surgiu a síntese daquilo que podemos chamar de inconsciente coletivo ou alma mater do povo brasileiro.

Ora, os grandes processos constitutivos da mente humana também ocorreram no nosso solo, impregnado de psique antiga, sintetizada através de séculos e séculos e que, portanto, configura um inconsciente coletivo antiqüíssimo e riquíssimo, povoado de imagens e de elaborações da cultura que acabam retratadas e imortalizadas na nossa prolífica mitologia. Assim, cada história ou mito indígena seria como uma auto-representação da psique ‘brasileira’ de todos os tempos falando de si mesma, contando sua maneira de funcionar por meio da linguagem que lhe é própria – a das imagens –, que é a maneira como a psique fala de si mesma até hoje, pelas imagens do inconsciente contemporâneo nos sonhos, nas fantasias, nas criações artísticas e culturais de todas as espécies. (GAMBINI. 2000. P. 24).

Existe um mito sobre um suposto projeto jesuíta para a educação brsileira. Gambini desmonta este mito pode comprovar que este projeto educacional na verdade consistia num projeto de catequese do silvícola. Nada mais. Após analisar todos os aspectos consciente e inconsciente do projeto missionário jesuíta para o índio brasileiro Gambini, realiza a interpretação simbólica deste projeto levando em consideração os aspectos universais da crucifixão na cultura cristã ocidental. Em Roma e no imaginário dos povos antigos do mundo neo testamentário, a crucifixão por si só, era considerada uma maldição.

O sonho do índio que se vê ver crucificado de cabeça para baixo é singular. Aponta para a inversão da proposta de Jesus Cristo para os gentios. Jesus trouxe a revelação do amor de Deus para todos os homens. A proposta missionária que vigorou no Brasil colonial parece ter desconhecido este amor. Toda tentativa de impor a fé cristã pela força, pelo ódio, pelo terrorismo pela coerção e pela espada parece subverter e inverter o sentido salvífico da crucifixão de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Gambini contextualiza a forma como os jesuítas trataram a acultura indígena bem como representaram os povos da floresta: com profundo desconhecimento, ignorância e desprezo! A ignorância aliada ao desconhecimento quase sempre produziu a rejeição, o desprezo e a desvalorização da cultura dos povos da floresta. Os índios foram considerados sem alma pela Igreja Medieval. Isso significa, em termos psíquicos, que na consciência missionária ocidental não há lugar para o Anthropos, o núcleo arquetípico do ser humano. A religião que veio salvar a alma do mundo, matou a alma do homem quando se transformou em dogmas e fórmulas escolásticas fundamentadas no argumento da autoridade. Os seres a quem chamamos índios já estão quase extintos, contudo teimam em continuar existindo na alma de cada um de nós e no sangue que corre nas veias dos seus descendentes(RIBEIRO,1997). Se também desaparecer em nós esse fator psicológico, esse desconhecido e rejeitado conteúdo interior simbolizado por um índio, então já não haverá muita luz à nossa frente. (GAMBINI. 2000. P. 157).

Neste contexto Gambini interpreta o sentido do sonho onde o índio foi crucificado de cabeça para baixo. A crucificação invertida é um símbolo antigo que expressa uma chocante verdade, e a chave para sua compreensão encontra-se na interpretação gnóstica do martírio de São Pedro. O Anthropos, representado por Pedro, penetra em nossa realidade humana de forma invertida. Em sua hora final, crucificado de cabeça para baixo, Pedro foi iluminado e percebeu o sentido do mistério da cruz, deixando então a mensagem, a todos os que tinham ouvidos para que desligassem a alma do mundo das aparências, onde ela na verdade não se encontra.

O mistério da natureza de todas as coisas é que o primeiro homem entrou no mundo de cabeça para baixo – diziam os gnósticos – e, ao ser puxado para baixo, estabeleceu a origem de todas as coisas. Creio que esse nascimento arquetípico do self, ou homem natural, em nossa consciência é o que o sonho indígena nos mostra, como possibilidade da psique e da História. Um dia, diz Caetano Veloso, um índio virá. E o que se revelar surpreenderá a todos por ter sempre estado oculto, quando era óbvio. (GAMBINI. 2000. P. 157).

Gambini arremata, afirmando que por meio da missão e da catequese jesuítica, a cruz de Cristo, um instrumento de salvação para todos os povos, transformou –se numa espada para ser cravada no peito indígena para matar sua alma.

“A civilização crucificou os índios numa cruz erigida sobre a alma ancestral (o velho cemitério guarani). A crucificação de cabeça para baixo expressa uma forma especialmente torturante de manter máximo o nível de tensão. São Pedro foi crucificado nessa posição. Uma das cartas do Tarot, O Enforcado, aponta na seguinte direção: o necessário, no nível coletivo, é uma reversão completa do ponto de vista cristão consciente. A via de desenvolvimento espiritual abre-se não para cima – progresso tecnológico e o pressuposto racionalista de que a aplicação de um bom plano pode melhorar a situação da humanidade –, mas para baixo, na direção da terra onde jaz a alma ancestral, onde está enterrado o Anthropos. Nossos índios, já quase desaparecidos, tornaram-se, para espanto de seus pseudocivilizadores perdidos no próprio caos que criaram, um repositório silencioso de valores espirituais e da própria possibilidade de um futuro transformado. Contato com a natureza, com as forças do inconsciente e com o self, eles o têm e nós o perdemos – e essa perda é o nosso problema central. (GAMBINI. 2000. P. 157).

A conversão no Brasil até os dias de hoje, em todas as vertentes do cristianismo rejeita a cultura brasileira como algo abominável. Os católicos elegem como modelo de paraíso para a conversão a cultura européia. Já os protestantes elegem a cultura norte americana como paradigma, como se inclusive Deus também falasse inglês. Os jesuítas não foram exceção a esta regra. Rejeitaram o índio e sua cultura como algo que também deveria ser crucificado.

“A tela acadêmica que retrata a primeira missa no Brasil, ritual exótico no meio da selva, assistida por índios nos galhos das árvores e até por animais, como se o padre fosse Orfeu, ostenta um tosco crucifixo contra o céu, apoiado sobre um altar recoberto pela mais alva toalha branca. Que vitória! Mas esse crucifixo na verdade é um punhal. No momento da Eucaristia, pão e vinho transubstanciam-se no corpo e no sangue de Cristo e a hóstia que os representa será engolida para promover a absorção da essência de Cristo. Ora, a Eucaristia que ocorre na primeira missa no Brasil não é essa, mas outra, perversa, em que a alma indígena deverá transubstanciar-se em alma cristã. A hóstia, portanto, não é o corpo de Cristo, mas a alma ancestral da terra que será antropofagicamente deglutida pelos Cristãos, não para ser absorvida, mas para ser digerida e defecada. O português não estava interessado nessa alma, mas no corpo da índia e no braço escravo do marido dela. (GAMBINI. 2000. Pp.74-175).

Cabe registrar que a pregação jesuítica na concepção de Gambini parece chocar-se com a pregação evangélica de Paulo, especialmente na Carta aos Romanos. A carta de Paulo aos Romanos, é, sem dúvida alguma, a principal porta de entrada para os mistérios mais profundos do evangelho. É a genuína interpretação do evangelho salvador de Jesus Cristo. Entrando por esta porta, o leitor indubitavelmente penetra no real sentido do evangelho. Suas cartas levam o homem a relacionar-se verdadeiramente com Deus através de nosso Senhor Jesus Cristo. E, se considerarmos a carta aos Romanos a Verdadeira Porta do Evangelho, Rm 1:16-17, é sem dúvida alguma a chave para se abrir esta porta, isto é, Rm 1:16-17 é a chave para a compreensão total e integral de Romanos, pois neste texto Paulo nos oferece o cerne de sua Carta, que é ao mesmo tempo o núcleo de seus ensinamentos, e dos ensinamentos do nosso Senhor Jesus Cristo. Em Rm 1:16-17, Paulo nos fala do evangelho de Cristo.

Ele nos apresenta o Evangelho, não como sendo fruto das elucubrações filosóficas da humanidade, mas sim, como sendo o trabalho de Deus através de seu filho Jesus Cristo. Não sendo apenas um corolário de doutrinas, destinado a levar o homem a crescer em termos religiosos, mas ele nos apresenta o Evangelho, como sendo o poder de Deus, em suas palavras, “o Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.” A Cruz de Cristo é apresentada por Paulo como a vida que nasce da morte. Realmente o sonho do índio faz sentido. Parece que em nosso meio o evangelho do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo foi invertido. A pregação que servia de vida para vida, serviu de morte para morte.

Graças, porém, a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo; tanto, nos que são salvos, como nos que se perdem.. Para com este cheiro de morte para morte; para com aquele aroma de vida para vida. Quem, porém, é suficiente para estas cousas? Porque nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus” (II Coríntios 2:14-17).

A justificação perla fé é a base bíblica para a solução do problema humano da culpa, pois “Todos pecaram e carecem da glória de Deus.” (Romanos 3:23). “Não há justo, nenhum se quer” (Romanos 3:10). Por esta causa, o homem já nasce com a propensão para desenvolver o sentimento de culpa e, do ponto de vista da teologia reformada, já nasce culpado. Este estado o obriga a prestar contas pelos seus atos pessoais a Deus, a si mesmo e à sociedade, como está escrito em Romanos 14:12 “Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus.”

Desde o seu nascimento, a dívida do homem para com Deus, só tende a aumentar. O Homem jamais conseguirá por si mesmo saldá-la. (Ef. 2:9). A fim de solucionar este problema jurídico, Deus deu o seu próprio filho, unigênito, Jesus Cristo como pagamento da dívida humana (Jo 3:16, Is 53:4-6, II Co 5:21). Quando Lutero sintetizou estes textos com a exclamação: “Senhor Jesus, eu sou teu pecado e Tu és a minha justiça. O que eu era, Tu te fizestes ser para que eu fosse o que Tu és.”, já mencionado acima, na realidade ele estava parafraseando a expressão paulina de II Coríntios 5:21: “Aquele que não conheceu pecado, Ele o fez pecado por nós; para que, Nele, fossemos feitos justiça de Deus.” Na expressão poética de Gióia Júnior (ad tempora) “Aquela cruz que Ele carregou, a cruz negra e mesquinha, ela também não era dEle, era minha.”

A arte moderna como símbolo.

Com relação às artes, a psicologia de Jung limita-se a pesquisas sobre os processos que envolvem a arte criadora e ao estudo psicológico da projeção artística. Sua contribuição maior será a decodificação das imagens simbólicas que tomam forma na obra de arte, trazendo luz sobre as significações que encerram e que excedem as possibilidades comuns de compreensão da época em que adquiriram vida. Jung aponta para dois processos de criação: o processo psicológico, compreendido sem maiores dificuldades; e o visionário,da imaginação ativa, que causa perturbadora impressão de estranheza. Sua essência nos é estranha e parece provir de distantes planos da natureza. Jung descreve o processo criador, na medida em que o podemos acompanhar, como um processo que consiste numa ativação inconsciente do arquétipo, no seu desenvolvimento e sua tomada de forma até a realização da arte perfeita. Na pintura moderna o círculo volta a ocupar um lugar respeitável, juntamente com o quadrado. Porém aqui o círculo não representa mais a totalidade, mas a psique, e o quadrado representa a matéria terrestre, configurando uma dissociação do homem moderno.(JUNG, 1991, pp.278-279).

A arte moderna abandonou o domínio do mundo mas também do mundo concreto, sensorial e o universo individual, tornando-se altamente coletiva. Nos primórdios da arte moderna, esta promove uma cisão entre o concreto e o abstrato representando todo o processo de dissociação do homem contemporâneo em relação ao si mesmo e a natureza. Neste processo, encontramos De Chirico com sua pintura metafísica que tentava retratar o dilema existencial, transpondo as fronteiras do inconsciente. A atmosfera de seus quadros era de pesadelos e de uma melancolia ilimitada. Neste mesmo período temos Chagall, que não enfrentou esse problema do vazio existencial, sua pintura não apresenta esses aspectos fantasmagóricos. Jung entende que estes artistas procuram dar forma visível à vida que existe por detrás das coisas e Kandinsky foi um dos poucos que compreendeu a relação entre forma de expressão e a física, e a psicologia, e a significação da arte moderna na mística do espírito.(JUNG, 1964, p. 230-249). Nesta mesma direção Pollock comporá seus quadros pintados em puro estado de inconsciência, que para ele representarão “harmonia pura, um cômodo tomar e dar”.(JUNG, 1964, p. 250-260). Seguindo esta mesma tendência a Igreja promove uma abertura à arte moderna e a possibilidade de cooperação. Verifica-se uma união consciente da realidade interior com a realidade do mundo, união corpo e a alma, e a cicatrização entre a grande abstração e a grande realidade.

O simbolismo arquetípico do messias

Desroche (1985, pp. 88-95) não aprofunda o sentido psicossocial do messianismo e do messias, apenas cita de relance alguns aspectos da psicologia destes fenômenos. Sua pesquisa caminha na direção das relações entre estes aspectos e os fenômenos de possessão. Em sentido psicológico, todavia, este autor, por força da sua formação e da sua prática em pesquisa, estuda o messias e o messianismo a partir do conceito de arquétipo e de mito. O comportamento do messias seria o de um indivíduo baseado na convicção profunda de que lhe cabe na vida um papel primordial em benefício de toda a humanidade, de ter uma missão a cumprir, de ter vindo à Terra como um messias. Esse comportamento pode relacionar-se com um delírio profético bem característico, acarretando para o messias algumas vezes o aniquilamento da sua personalidade. Por outro lado, ela pode estar situada no clímax místico de um deleite bem-aventurado, nas profundezas inóspitas de um ascetismo de aniquilação, ou ainda na confluência dessa exaltação e dessa abnegação; e mesmo num niilismo.

Desroche (DESROCHE, 1985, p.18-19) na Sociologia da Esperança estabelece as condições teóricas para ligar o arquétipo com a figura do messias. Ele registra que a esperança messiânica apresenta-se semelhante à estrutura onírica. A esperança messiânica é o sonho messiânico em estado de vigília. Na esperança messiânica o campo da consciência sofre um processo de obnubilação e o sujeito mergulha em um estado onírico semelhante àqueles estados próprios da possessão. O homem comum não faz distinção entre o sonhado e o vivido. Além do mais o sonho parece permitir o acesso do sonhador ao mundo puramente divino. O sonhador estabelece pelo seu sonho uma ponte entre a sua história pessoal, a supra-história da humanidade e o mundo dos arquétipos do Jung. O mundo do sonhador pode ser uma forma de compensar a realidade: “Assim que se desenvolveram, as teologias não tiveram geralmente a tendência para confirmar a idéia de que o sonho permite o acesso ao mundo divino, pelos menos a um mundo mais significativo, se não mais verdadeiro que o da vigília?” (DESROCHE, 1985,pp.18-19). Pode se colocar a questão de que o sonho religioso é uma forma de compensar uma realidade socialmente cruel, mas não se pode deixar de considerar que o sonho pode ter impacto sobre esta mesma realidade no sentido de transformá-la por meio do encantamento do real. Tal encantamento geralmente pode ser produzido pela emergência do sagrado, pelos rituais e símbolos religiosos:

“Delineiam-se então imediatamente os dois capítulos. Por um lado, o dos quadros sociais do pensamento onírico, vale dizer, como o sonho é constituído por influência de seus quadros sociais. Por outro lado, o da função do sonho na sociedade, ou seja, como o sonho é constituinte de uma sociedade. Caso venha a faltar, a produtividade e a doença mental são talvez gêmeas que não podem de maneira alguma ser separadas. Freud repersonalizou o sonho, convém agora ressocializá-lo.”(DESROCHE, 1985,p.18-19)

Um fator importante da sociologia da esperança que o aproxima do conceito de arquétipo é aquele apontado por Desroche ( DESROCHE, 1985,p.18-19), que coloca o messianismo como resultado da memória coletiva mais a consciência coletiva da humanidade numa clara alusão as formas elementares da vida religiosa da obra homônima de Émile Durkheim (DURKHEIM, 1996), como veremos adiante. O arquétipo aparece também no pensamento de Friedrich Nietzsche e Mircea Eliade.

Nietzsche insere o mythos no logos da compreensão contemporânea do mundo, e o faz já em sua primeira obra publicada, A Origem da Tragédia, início da trilha na qual desenvolve seu pensamento. Ainda que um dos motivos mais conhecidos da filosofia nietzscheana seja o da morte de Deus, sua filosofia dá ensejo ao mito do eterno retorno, já que ele próprio considera o mito como a condição prévia e necessária de toda religião. O mito do eterno retorno significa que o mundo passa e voltará a passar indefinidamente pelas mesmas fases. Cada homem voltará a ser o mesmo em novas existências. Segundo ele “para os fracos que se conformam na humildade, no temor ao pecado e na infelicidade, esta revelação é esmagadora”. (Ad tempora).

O eterno retorno de Nietzsche é uma reinterpretação do tempo, que se estende para trás por toda eternidade. Ora, se o tempo se estende infinitamente para trás, tudo o que pode acontecer já deve ter ocorrido. Tudo o que acontece agora já ocorreu da mesma forma antes. Tudo o que chega até hoje já deve ter percorrido este mesmo caminho anteriormente. O tempo que se estende infinitamente para trás também se estende infinitamente para frente, para o futuro. Nietzsche fundamentou o mito do eterno retorno em dois princípios metafísicos: de que o tempo é infinito e a força (a substância básica do universo) é finita. Dado um número finito de estados potenciais do mundo de uma quantidade infinita de tempo já passado, segue-se que todos os estados possíveis já devem ter ocorrido e que o estado presente deve ser uma repetição; e igualmente aquele que lhe deu origem e o que dele decorre, e assim sucessivamente de volta no passado e à frente no futuro. É forçoso admitir que Nietzsche sofreu influencia de Eclesiastes nesta sua concepção do mito do eterno retorno, se não vejamos.

Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.

Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.

Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?

Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.

Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.

O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.

Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.

Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.

O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós. ( Eclesiastes 1:1-10).

Mircea Eliade a partir da concepção de Nietzsche, propõe estudar as concepções do ser e da realidade que podem ser detectadas no comportamento do homem das sociedades pré-modernas, compreendendo estas tanto o mundo a que geralmente chamamos primitivo, como as antigas culturas da Ásia, da Europa e da América. Segundo Eliade, o arquétipo de Deus é recorrente em todas as culturas humanas.Jung também caminha nesta direção. “A ideia de lei moral, a ideia de Deus fazem parte da substancia primeira e inexpugnável da alma humana”(JUNG, 1975, p. 301).

O mito do eterno retorno é a chave para se compreender as máscaras de Deus, isto suas representações sociais, por meio das mais diversas epifanias e manifestações religiosas ao longo da história das religiões(CAMPBELL, 1994). Atrás das máscaras de Deus, a representação do sagrado é a mesma. A representação de Deus é o fio de ouro que dá sentido às variedades da experiência religiosa (FRAZER, 1980, pp.1-3).

Carl Gustav Jung apresenta o sonho como regra de ouro para exploração do inconsciente, assim como a análise das visões, devaneios e fantasias, admitindo também as revelações. No sonho o arquétipo aparece ante o indivíduo, subitamente, e quase com força alucinatória como uma imagem ou idéia completamente fora do pensamento cotidiano. Sem a hipótese do inconsciente, o sonho não passa de um ludus naturae, isto é, um conglomerado de imagens sem sentido de partículas de sombras do dia. A natureza filogenética da psique revela-se muito mais no sonho do que no mundo consciente. As imagens oriundas da natureza mais primitiva e os impulsos mais arcaicos falam por meio do sonho. Pela assimilação dos conteúdos inconscientes, a vida consciente momentânea ajusta-se novamente à lei natural.

“Proveniente da atividade do inconsciente, o sonho oferece-nos uma representação dos conteúdos que aí dormitam; não de todos, mas de alguns, daqueles que, por via de associação; se atualizam, se cristalizam e se selecionam em correlação com o estado momentâneo da consciência.”(JUNG, 1975, p. 257).

Jung postula que o inconsciente não é apenas o aglomerado de todos os espíritos impuros e heranças odiosas de tempos já vividos, mas sim o próprio extrato germinal, sempiterno e criador, que utiliza imagens simbólicas antigas e, com isto, tem o desejo de exprimir o espírito novo.

Dessa forma, o sonho é a fonte conhecida de representação mitológica costumeira, o qual descreve uma situação em termos de verdade e de realidade psíquica interiores. O mito, portanto, segue essa mesma lei. Coomaraswamy (apud WITHMONT, 2005) acredita que a narrativa mítica tem uma validade que ultrapassa o tempo e o espaço, e é verdadeira em todo momento e em todo lugar. Ademais, é exatamente por sua universalidade que o mito pode ser narrado, com igual autoridade, de vários pontos de vista diferentes. Emma Brunner-Traut (apud WITHMONT, 2004, p. 70).

Encontra-se no dicionário de símbolos de Chevalier (CHEVALIER, 2005), que na interpretação ético-psicológica, as figuras mais significativas da mitologia grega, em particular, representam uma função da psique. Além disso, as relações que elas exprimem à vida psíquica dos homens, divididas entre as tendências opostas vão da sublimação à perversão. Tal corrente de pensamento permite, em linhas gerais, a realização de uma dramaturgia da vida interior. Outras interpretações vêem nos mitos uma representação da vida passada dos povos, com sua história, heróis e façanhas. O mito seria uma dramaturgia da vida social ou da história poetizada.

Em contraposição à Psicanálise, Jung (1975) afirma que o conceito freudiano de inconsciente limitava-se a designar o estado dos conteúdos reprimidos ou esquecidos, ou seja, ele nada mais é do que o espaço de concentração desses aspectos recalcados. Para Freud, o pai da psicanálise, tal instância psíquica é de natureza unicamente pessoal, (apesar de ter discernido formas de pensamento arcaico-mitológicas inconscientes tal como o conceito de Complexo de Édipo, pedra angular da teoria psicanalítica, considerado pelo próprio Freud um arquétipo universal).

O conceito junguiano de arquétipo explica o aspecto universal dos padrões de comportamento humano, tal como o esqueleto que estrutura e dá base ao corpo. Embora tenha a mesma autonomia e fisiologia, não há seres idênticos. Dessa forma, a maneira como cada pessoa atualiza os arquétipos depende de suas vivências pessoais, educacionais e socioculturais. Em cada época, os arquétipos mudam a roupagem como se apresentam, contudo sua estrutura e dinamismo básico permanecem (JUNG,1991, PP. 356-357).

Jung (1998) então estabelece uma ponte entre arquétipo e mito. Segundo ele, já se levantaram muitas objeções contra a concepção de que o último simboliza fatos psicológicos. Dessa forma, há uma grande dificuldade das pessoas assumirem que os mitos são, de certa forma, alegorias explicativas de processos naturais.Os mitos são representações simbólicas e pictóricas dos arquétipos. Nesse sentido, o mito não busca estabelecer relações científicas, mas apenas guardar uma verdade psicológica a ser transmitida de geração em geração. Além disso, sua estrutura é semelhante a fábula onírica, na qual o real e o imaginário fundem-se na construção de uma imagem fantástica e fantasmática capaz de ser lembrada e atualizada pelo sonhador (JUNG, 1991, pp. 243-245).

Assim, o sonho é a fonte conhecida de representação mitológica costumeira, o qual descreve uma situação em termos de verdade e de realidade psíquica interiores. O mito, portanto, segue essa mesma lei. Coomaraswamy (apud Withmont, 2004), afirma que a narrativa mítica tem uma validade que ultrapassa o tempo e o espaço, e é verdadeira em todo momento e em todo lugar. Ademais, é exatamente por sua universalidade que ele pode ser narrado, com igual autoridade, de vários pontos de vista diferentes, sem contudo representar uma mentira. Emma Brunner-Traut:

“Enquanto a natureza do julgamento racional exige que o homem forneça seu próprio sistema de referência, seu conjunto de condições para o questionamento das coisas, no mito, os objetos têm sua própria relação interna um com o outro; eles se encontram e interagem em um mundo próprio, oculto e desatento em relação ao questionador. Eles são suficientes e harmonizados entre si, assim constituindo sua própria verdade na dimensão do infinito. (…) Ele (o mito) é colocado sob a luz da dúvida, da crítica e da exigência de prova, e sob essa luz ele parece falso. O mito não é definição nem prova. Ele é evidente por si mesmo. (…) aquilo que não pode ser entendido pelo intelecto luta para obter a sua realização no símbolo, no signo mítico e no próprio mito” (apud Withmont, 2004, pág. 70).

O sonho serve a um propósito de compensação. É um fenômeno psíquico normal que transmite à consciência reações inconscientes ou impulsos espontâneos. A maioria dos sonhos pode ser interpretada por associação, mas em certos sonhos proféticos e premonitórios podem aparecer elementos que não são individuais, ou formas mentais cuja presença não encontra explicação na vida do indivíduo. Tais sonhos mais parecem formas primitivas e inatas para representar uma herança do espírito humano. A estes elementos Freud deu o nome de elementos arcaicos; posteriormente, Jung denominou-os de arquétipos (JUNG, 1975, pp. 241-306).

Os sociólogos também já apontaram a necessidade de se trabalhar com os sonhos no fenômeno do campo religioso:

“Roger Bastide, finalmente, acaba de enfeixar o assunto em dois estudos breves e densos sobre a sociologia do sonho. Encontra-se com F. Dumont em seu diagnóstico sobre a parcialidade de certa sociologia: ‘A sociologia só se interessa pelo homem acordado como se o homem adormecido fosse um homem morto (…) Para ela, em conformidade com as injunções de nossa cultura, que é através de todas as cortinas, de ferro ou de bambu, uma cultura da produtividade. É o trabalho que exorciza os fantasmas nascidos da longa noite, caso venham a perturbar o ato prometêico. Tem fundamento tal separação radical entre o sonho e o trabalho? Será que não convém observar como os estados crepusculares, assim como a matéria obscura e sombria do homem prolonga o social do mesmo modo como o social nutre-se de nossos sonhos? Em suma, esboçar uma sociologia do sonho’. Delineiam-se então imediatamente os dois capítulos. Por um lado, ‘o dos quadros sociais do pensamento onírico’, vale dizer, como o sonho é constituído por influencia de seus quadros sociais. Por outro, o da ‘função do sonho na sociedade’, ou seja, como o sonho é constituinte de uma sociedade. Caso venha a faltar, ‘a produtividade e a doença mental são talvez gêmeos que não podem de maneira alguma ser separados’. Freud repersonalizou o sonho, convém agora ressocializá-lo ( DESROCHE, 1985, P. 21) ”.

Carl Gustav Jung interessou-se especialmente por este homem em estado de sono e de sonho. O elo entre o sonho e a realidade em Carl Gustav Jung é o arquétipo ( JUNG, 1991, pp. 356-357). O termo arquétipo encontra-se no cerne da sua teoria. Jung relaciona os arquétipos ao eidos de Platão. Neste sentido consiste numa possibilidade psicológica transmitida geneticamente e, por meio da cultura, desde os tempos primordiais, que pode, ou não, ser percebida pelo conhecimento consciente. O arquétipo costuma se apresentar de forma inconsciente. Os arquétipos são representações coletivas que fazem referências às vivências tipicamente primitivas. Estes servem de substrato para a construção dos mitos, dos ritos e das fábulas e até mesmo da arte e da religião. Segundo Ramos e Machado:

O conceito de arquétipo – como representação psicológica do instinto – explica o aspecto universal dos padrões de comportamento humano, tal como o esqueleto que estrutura e dá base ao corpo. Embora todos tenhamos a mesma anatomia e fisiologia, não há um ser idêntico ao outro. A maneira como cada pessoa atualiza os arquétipos depende das vivências pessoais, educacionais e socioculturais. Em cada época, os arquétipos mudam a roupagem, como se apresentam, embora seu dinamismo básico permaneça o mesmo.” (RAMOS; MACHADO, 2005, pp. 42-43).

Considerações Finais

Jung estabelece uma ponte entre o arquétipo e o mito do eterno retorno. Os arquétipos são provenientes do inconsciente coletivo. Encontram-se na origem da conservação dos remanescentes arcaicos provenientes dos resíduos da longa jornada histórica da humanidade. Tais remanescentes permanecem adormecidos na consciência humana e podem surgir pelas imagens arquetípica. Essas imagens estruturam-se nas representações sociais, nas manifestações coletivas e podem servir de substrato para as manifestações messiânicas. O messias em Jung é uma manifestação do arquétipo do self (Jung, 1976, P. 21-33). Seguindo o próprio Carl Gustav Jung o autor exclui Jesus Cristo,o fundador do cristianismo , desta análise sobre o messias, e reporta o leitor a obra Aion, Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo onde Jung apresenta sua interpretação psicológica do arquétipo cristão.( JUNG, 1976).

Aqueles aspectos do inconsciente coletivo que foram atualizados pela cultura e pela experiência na mente individual formam o inconsciente pessoal, que determina o caráter e a personalidade do sujeito. Os arquétipos oriundos do inconsciente coletivo são atualizados no inconsciente pessoal através dos sonhos, símbolos, mitos, fábulas, dos ritos e personagens religiosos como as personalidades messiânicas. Jung afirma que:

Malgrado ou talvez pela sua afinidade com o instinto, o arquétipo representa o elemento autêntico do espírito, mas de um espírito que não se deve identificar com o intelecto humano, e sim com o seu spiritus rector (espírito que o governa). O conteúdo essencial de todas as mitologias e religiões e de todos os ismos é de natureza arquetípica.(Jung, 1976, P. 211)

O messias encarna perante seus seguidores, o povo messiânico, o arquétipo do self. O messias pode surgir de modos diferentes. Ora aparece por identificação do sujeito com o arquétipo do self. O sujeito reproduz, neste caso, a figura do messias como modelo. Em seguida, identifica-se com o messias. Na seqüência introjeta essa figura e passa a agir como se fosse o próprio messias. Outra forma de construção da figura messiânica, a partir do conceito de arquétipo, pode ser a invasão da consciência pelo arquétipo do sagrado, sendo sagrado, aqui considerado na perspectiva de Rudolfo Otto como o numinoso(Otto, . Nesse sentido, o sagrado toma conta da consciência do sujeito que passa a agir como se estivesse sofrendo um processo de possessão. Este fenômeno, todavia, difere do fenômeno de possessão, no qual se espera que o sujeito sofra uma invasão de uma entidade espiritual. No caso da possessão produzida por um arquétipo, não ocorre a invasão, e sim a emergência do arquétipo na consciência do sujeito.

O modelo acima pode ser utilizado para se compreender a construção do messias e do movimento messiânico. O messias pode ser também considerado uma manifestação simbólica de um arquétipo primordial gravada no self e que se encontra identificada na Imago Dei e que desconhece as limitações de tempo, espaço, servindo de mediador entre o indivíduo e a experiência coletiva primordial que lhe deu origem, por meio dos rituais, fazendo do messias o portador de uma função transcendente natural. O messias, mobilizando as forças inconscientes, culmina por mobilizar as forças do inconsciente coletivo de um determinado grupo social.

A manifestação espiritual do arquétipo do messias, originariamente difusa, ameaçadora para a psique é organizada pelo simbolismo do ritual religioso e na experiência messiânica que lhe dá significação, evitando a confusão mental que pode ser produzida pela irrupção abrupta do numinoso, do inconsciente coletivo no inconsciente pessoal, na consciência individual (FORDHAM,1966, p.65) . O inconsciente coletivo é a base da teoria junguiana. Seria uma espécie de memória coletiva transmitida pela espécie humana através de seu desenvolvimento filogenético. Já o inconsciente pessoal é a atualização de fragmentos do inconsciente coletivo na experiência individual sendo o responsável pela singularidade de cada ser humano pela reprodução de filogênese na ontogênese, no desenvolvimento individual. No indivíduo aparece por meio de traços mnêmicos, sonhos, símbolos religiosos, artísticos lingüísticos.

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Site:

http://www.medicinapsicossomatica.com.br/glossario/neurose_fracasso.htm acessado em 05 de Agosto de 2011 as 10:00h).

1 Anotações dos fragmentos de uma análise usados com o consentimento do sujeito. Publicados de acordo com os procedimentos para pesquisas com seres humanos do Ministério da Saúde.

Uma resposta

  1. Excelente artigo. Uma construção em linha científica, mas que é possível a qualquer leitor ser informado e edificado pelas construções linguísticas, psicológicas e comparativas com a realidade e com a espiritualidade.
    Nelson Célio de Mesquita Rocha, aluno do Curso de Pós-Graduação ao Psicologia Analítica pela UNIABERTA.

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