Antonio Maspoli

Resiliência Comunitária

Resiliência

Na passagem da década de 1970 para 1980, pesquisadores americanos e ingleses voltaram suas atenções para o fenômeno das pessoas que permaneciam saudáveis apesar de expostas a severas adversidades. Denominaram, inicialmente, essas pessoas de invulneráveis; e o fenômeno, de invulnerabilidade, como o termo que seria, mais tarde, substituído por resiliência.

O conceito de resiliência nasce da Física e parece estar relacionado com a resistência dos materiais. Há anos, físicos e engenheiros empregam a noção de resiliência para calcular a quantidade máxima de energia que um dado material pode absorver ao ser submetido a determinado impacto, deformando-se sem se romper e voltando, posteriormente, à forma primitiva. Tal noção associa-se ao limite de elasticidade do material. Há cerca de 20 anos, a Psicologia apropriou-se desse termo para, de certa forma, representar o quanto as pessoas e comunidades podem suportar de pressão, sem, contudo, desenvolver doenças irreversíveis e mesmo sem comprometer a própria vida (GRAHAM, 2013). Mais recebtemente a neurociência,  por intermédio das pesquisa de Louis Cozolino(2013),  considera a relisiencia como sinônimo de vitalidade.

O conceito de resiliência na Psicologia, de modo geral, reporta-se à capacidade que o sujeito apresenta para se recuperar de abalos sofridos ou de se abalar e voltar ao que se era antes do abalo – tem mais que ver com o conceito físico da elasticidade do que propriamente de resiliência, porque a elasticidade seria a característica dos materiais de se deformarem e voltarem à sua forma origina após o fim da causa da deformação (KENT et al., 2010).

Na Psicologia, a resiliência pode ser compreendida como o impulso ou a vitalidade para continuar vivendo depois de um trauma. Esse termo também pode se referir à vitalidade e às estratégias inatas e adquiridas de superação para voltar à vida após um grande sofrimento, para superar o sofrimento causado pelo trauma (CIRULNIK, 2005; STERN, 2007).

Resiliência é um termo precioso para aqueles que vivenciam o complexo cultural. Mais recentemente, começou-se a utilizar o termo resiliência também como sinônimo de superação.

A Resiliência foi igualmente objeto de estudos e pesquisas de Carl Gustav Jung. A maneira como cada um enfrenta as dificuldades e os desafios do cotidiano revelam, em grande parte, aspectos do seu si-mesmo. Isso é mais um fator indicador de que o inconsciente, para Jung, é uma fonte de criatividade e potencialidade, e não apenas um depositário dos conteúdos reprimidos, de imagens e vivências dolorosas cercadas pelos mecanismos de defesa do ego. Do inconsciente surgem os impulsos que tomam forma, de acordo com o espaço, o tempo e a cultura de uma pessoa (RAMOS; MACHADO, 2006).

John Hillman (1997) analisa algumas personalidades que passaram por grandes tragédias e transformaram o sofrimento pessoal em energia e fonte de superação. Essas pessoas conseguiram apresentar um forte impulso para a vida e superação. Segundo Hillman, isso pode ser uma característica intrínseca de algumas personalidades e, quem sabe, da própria pessoa humana. Hilman se opõe ao fatalismo. O sujeito pode mudar sua biografia a qualquer momento da sua existência. Tragédia – pessoal, familiar e mesmo grupal –, portanto, não é destino (HILLMAN, 1997; 2010).

Dentre as características biológicas da resiliência, destacam-se a maior adaptabilidade e a capacidade de enfrentamento do estresse a partir do funcionamento do eixo HPA, especialmente pela produção e modulação do cortisol frente a uma situação estressante. Essa resposta ao estresse também é regulada pela produção de dopamina, serotonina, norepinefrina, entre outros neurotransmissores. O resultado desse processo é a vitalidade elevada apresentada por pessoas resilientes (FEDER et al., 2010; COZOLINO, 2013).

Dentre as características de personalidade que contribuem para a resiliência, sobressaem as emoções positivas frente à vida, a inteligência pessoal centrada na solução de problemas concretos para a sobrevivência, bem como a capacidade de criar e manter redes de solidariedade em torno de si. Ademais, a resiliência aponta para a necessidade de se pertencer a redes de solidariedade. Pessoas resilientes são solidárias. E talvez, por isso, recebam mais solidariedade do que outras nas mesmas circunstâncias adversas (FABER; MAYER, 2010).

Emoções positivas são essenciais, tanto para a produção de felicidade duradoura quanto para reforçar enfrentamento e resistência em face da adversidade. No entanto pouca pesquisa empírica atual se relaciona diretamente com essa noção.Estudos futuros devem explorar o quanto as intervenções produtoras de bem-estar podem aumentar a resiliência, produzindo emoções positivas, interpretações positivas e experiências positivas. “É nossa esperança que os resultados dos estudos futuros elucidem a complexidade das atividades intencionais positivas e forneçam insights sobre como essas intervenções podem ajudar a aumentar/promover a felicidade e resiliência psicológica em populações saudáveis, estressadas e enfermas. ” (LYUBOMIRSKY; PORTA, 2013, p. 459).

A resiliência tanto pode ser inata quanto adquirida. A resiliência pode ser promovida, desenvolvida e ensinada (GRAHAM, 2013). Existem várias formas de resiliência e há resiliência para inúmeras finalidades (LUTHAR; CICCHETTI, 2000). A resiliência é a arte de aplicar a vitalidade para enfrentar a adversidade em qualquer momento da fase do ciclo de desenvolvimento da vida humana (SHEEHY, 1980; SABBAG, 2013).

Resiliência comunitária

Os estudos e as pesquisas sobre resiliência, focalizados geralmente no sujeito, pouco a pouco, deslocam seu eixo para a resiliência comunitária. Comunidades resilientes são aquelas que possibilitam a sobrevivência dos seus membros, em meio às dificuldades, e estabelecem trajetórias de desenvolvimento sustentável. Parecem empregar três etapas bem centradas antes de pensar nos recursos externos. Primeiro, a comunidade descobre seus ativos, seu capital humano existente ou faz o  mapa deles. Esse passo, muitas vezes, envolve o uso de ferramentas desenvolvidas localmente, tais como o mapeamento dos estoques de habilidades do capital humano. Os ativos evolvem os recursos naturais disponíveis e o capital humano existente. Envolve também a capacidade de localizar fontes externas de recursos disponíveis no entorno da própria comunidade (KRETZMANN, 2010).

Em seguida, as comunidades se tornam conscientes da sua gama de recursos e começam a conectá-los para fins produtivos (por exemplo, as habilidades dos indivíduos, que podem ser aproveitadas em associações ou instituições locais para a construção de relacionamentos, ou redes sociais locais com possibilidades econômicas, ou instituições com o potencial de desenvolvimento econômico de recursos disponíveis). Trata-se de inserir a comunidade numa teia de redes sociais mais ampla, com o objetivo de incluir a comunidade na sociedade como um todo.

Em tese as comunidades resilientes aproveitam seus recursos vinculados a uma visão convincente e voltada para a sobrevivência no futuro. A capacidade de planejamento estratégico determina o sucesso ou o fracasso de uma comunidade perante os desafios impostos pelo mundo contemporâneo. Comunidades resilientes costumam planejar para o futuro, seus projetos incluem a geração atual e as futuras gerações. (KRETZMANN, 2010).

Um modo de compreender a resiliência de uma comunidade é conhecer a sua história. Toda comunidade é definida por sua história única, reveladora da sua cultura e capacidade de resistência e superação à medida que a história e os valores são compartilhados. “Todo relato é uma defesa, uma legítima defesa. ” (CYRULNIK, 2009, p. 11). As comunidades mais criativas encontram maneiras de compreender e celebrar seu passado. Nas vitórias de superação do passado, a comunidade encontra energia para enfrentar os desafios do presente e prepara-se para o futuro.

A história da resiliência da comunidade geralmente é passada aos mais jovens pelos sábios da comunidade. “Todo relato é um projeto de libertação. ” (CYRULNIK, 2009, p. 11). São eles que reúnem a história de superação da comunidade e transmitem para os mais jovens, especialmente, as crianças e os jovens. “Um relato não é a volta ao passado, é uma reconciliação com a própria história. Monta-se uma imagem, dá-se coerência aos acontecimentos como se sarássemos de uma injusta ferida. ” (CYRULNIK, 2009, p. 112). Todo esse processo é concebido, inconscientemente, para garantir a sobrevivência da comunidade a fim de projetar um futuro promissor. Na história de superação, todos se sentem participantes das vitórias da comunidade. Todo o processo, obviamente, foi arquitetado para projetar um futuro em que os moradores vislumbram que é possível continuar lutando.

Aqueles que atuam em resiliência comunitária apresentam duas vertentes de compreensão do fenômeno: aqueles vetores advindos da concepção de resiliência como resistência ao estresse; e o outro que preconiza a resistência e a superação como fatores de resiliência.

 A diferença de concepções de resiliência traz consequências importantes para os projetos de intervenção social que utilizam o conceito. Os projetos advindos da concepção de resistência ao estresse objetivam proporcionar essa resistência ao máximo de pessoas possível e, para isso, potencializam os fatores de proteção e tentam minorar a ação dos fatores de risco. Esses projetos visam a conseguir um máximo de pessoas competentes e bem adaptadas que não se abalem diante das adversidades. Seus objetivos não estão voltados para os que já sucumbiram intentando recuperá-los. Por outro lado, projetos de resiliência baseados em concepções de recuperação e superação já se voltam aos que se mostram mais fragilizados diante de adversidades, com objetivos de fortalecê-los, recuperá-los e torná-los mais fortes. (BRANDÃO; MAHFOUD; NASCIMENTO, 2011, p. 269).

Na observação de sujeitos e grupos traumatizados, tem sido utilizado os chamados Fatores Positivos Preditores de Resiliência de Martha Kent e Mary C. Davis (KENT; DAVIS, 2010, p. 429). O modelo foi aplicado com sucesso na observação e recuperação de neuróticos da Segunda Guerra Mundial, sobreviventes da Guerra da Coreia e veteranos da Guerra do Vietnã. Tal modelo foi traduzido e adaptado por este pesquisador  para adoção nesta pesquisa. O modelo propõe a observação e avaliação dos dados seguintes: 1. Emoções positivas: otimismo, esperança, bom humor para rever as opções, os resultados positivos, ter a capacidade de rir de si mesmo; 2. Controle: locus de controle, autoestima e orgulho, autocontrole, desafio, compromisso com o autocontrole sobre fatores estressores; 3. Engajamento: enfrentar o medo focalizado na área emocional. Atitude contra esquiva de enfrentamento. Atitude contra a passividade de enfrentamento, como se comportar em situações adversas, enfrentar o medo, capacidade de deixar a zona de conforto e de lidar com o estresse; 4. Significado e valor na adversidade: crescimento pós-traumático, aprender com a crise e encontrar benefícios na adversidade; 5. Flexibilidade cognitiva: explicações alternativas, redesenho positivo; a aceitação dos problemas, compreender que os problemas são temporais e limitados; 6. Crescimento pós-traumático: aprender com a crise, ressignificar a vida após o trauma, encontrar benefícios na adversidade; atitude de altruísmo: solidariedade, sentimento de utilidade, missão de vida, empatia e compaixão; 7. Espiritualidade: sustentação para o entendimento da tragédia, isto é, buscar sentido na tragédia, como bússola moral; 8. Treinamento: experiência anterior de trauma, estresse inoculado – utilizar as experiências com os traumas anteriores para o enfretamento da realidade.

Bibliografia

BRANDÃO, Juliana Mendanha; MAHFOUD, Miguel. NASCIMENTO, Ingrid Gianordoli. A construção do conceito de resiliência em psicologia: discutindo as origens. Belo Horizonte. Paidéia maio-ago. 2011, Vol. 21, No. 49, P. 263-271.

COZOLINO, L. The neuroscience oh psychotherapy, healing the social brain. New York; London: W.W. Norton 7 Company, 2010. ______

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CYRULNIK, B. O murmúrio dos fantasmas. Tradução de Sônia Sampaio. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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______. Autobiografia de um espantalho. Histórias de resiliência: o retorno à vida. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2009b.

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HILLMAN, J. O código do ser. Uma busca do caráter e da vocação pessoal. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. São Paulo: Objetiva, 1997.

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SABBAG, P. Y. Resiliência – Competência para enfrentar situações extraordinárias na vida profissional. São Paulo: Elsevier, 2013.

SHEEHY, G. Passagens Crises previsíveis da vida adulta. 3. ed. Tradução de Donalson M. Garschagen. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

STERN, D. N. O momento presente na psicoterapia e na vida cotidiana. Tradução de Celimar de Oliveira Lima. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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