Angústia, Fé e Sentido da Vida

Dâmaris Cristina de Araújo Malta

1. INTRODUÇÃO

Gostaria de compartilhar com vocês a visão fenomenológica-existencial para entender a relação entre angústia, a fé e a busca de sentido para a vida. São fenômenos humanos que se interagem e que cada vez mais são discutidos, percebidos e sentidos na pós-modernidade.

Segundo Mendonça (2000), o fenômeno consiste de algo. Algo que se faz presente por meio da percepção, que se deixa ser revelado e que tem relação com aquilo que se mostra e com aquele a quem se mostra, utilizando-se para isso os instrumentos epoché e “redução eidética”. O primeiro seria a “neutralização, que suspende toda posição [teórica] e permite perscrutar o sentido manifesto sem levar em conta qualquer critério de existência ou valor” (PIAZZA, 1976, p. 18).

Por meio da epoché, coloca-se entre parênteses toda a teoria que foi adquirida até o momento e vislumbra-se o indivíduo sem qualquer juízo. A redução eidética consiste em “buscar o significado ideal e não empírico dos elementos empíricos” (MENDONÇA, 2000, p. 140). Procura encontrar a essência do fenômeno, ou seja, aquilo que identifica a coisa como tal e que se encontra perceptível a todos os seres humanos.

Angústia e busca de sentido para a vida são temas existenciais e que têm sua importância no ser humano. Eles podem ser estudados separadamente, o que não será feito aqui, ambos serão interligados e estudados como interdependentes. Angústia é um sentimento individual e ao mesmo tempo, coletivo. Individual porque cada um a sente de um jeito, com uma intensidade singular e una, não sei como você a sente, mas cada um a conhece em sua individualidade. E, como disse Caetano Veloso, “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.  Coletivo porque todos a sentem. O que pode diferir é a intensidade e a sensação, mas, mesmo assim, a angústia está presente em todos nós, seres humanos, racionais, emocionais, sentimentais e espirituais. A angústia pode ser compartilhada na intersubjetividade e na intimidade. O mesmo acontece com a busca do sentido da vida, sendo apresentada como individual e coletiva.

Para se estudar angústia e busca de sentido da vida é necessário entender o Homem em sua totalidade, evitando a fragmentação tão difundida pelo Positivismo. Tal pensamento assinala que a alma é igualada à consciência humana, é vista como “órgão” estruturador e organizador dos processos mentais, e não como habitante do corpo e como substância [assim pensavam os primeiros filósofos]. Sendo, portanto, esquecida sua parte espiritual. Spinoza acreditava que a alma seria “uma parte do intelecto infinito de Deus, isto é, uma manifestação necessária da substância divina” (ABBAGIANO, 1998, p. 30).

Na realidade, esse olhar mais espiritual foi negado pela ciência positivista, que a todo o momento oculta a possibilidade do conceito alma por não ser compreendido pela racionalização humana. Mesmo com o avanço da Ciência, questões sobre a alma humana não foram respondidas. Então, surge a Psicologia Humanista que deixa de transformar o homem em partes desconectadas e passa a estudá-lo e entendê-lo em todas as suas potencialidades, em sua totalidade, e se interessa por temas que estão diretamente relacionados ao ser humano total.

Muitas vezes angústia é confundida com tristeza e até mesmo com depressão. Passaremos a uma breve diferenciação. Angústia é um sentimento existencial que será detalhado ao longo deste trabalho. Tristeza é entendida como um emoção ou sintoma. Na cultura ocidental é conhecida como emoção de ordem negativa, de conotação ruim, geralmente manifestada diante de situações de sofrimento. A tristeza não é reforçada na Pós-Modernidade, em que a alegria, mesmo que superficial, é supervalorizada. Também é compreendida como um dos sintomas do quadro de pacientes depressivos, de acordo com Barbosa (2006).

Depressão é uma síndrome biopsicossocial, um distúrbio do humor. Atualmente é a doença que mais tem incidência nos consultórios médicos. Em termos biológicos, há uma alteração fisiológica; em termos psicossociais, a depressão pode estar relacionada a algum sofrimento individual ou coletivo. O relacionamento do ser consigo mesmo, com os outros ou com um Ser Superior influencia seu modo de atuação e percepção do mundo. A depressão pode ser um resultado da interação do homem com o mundo, que muitas vezes lhe é inóspito. Pode ser a manifestação da escolha inautêntica do Ser, segundo termos heideggerianos, ou a falta de motivação para buscar o sentido para a vida. O avanço da ciência médica e psíquica vem possibilitando o entendimento profundo, o tratamento e a cura dessa doença, segundo Barbosa (2006) e Gomes (2007).

Segundo Kierkegaard (1813-1855), a angústia é o sentimento frente à possibilidade. Não há como existir e não se sentir angustiado. Sendo a existência:

o modo de ser constituído pelas relações do homem consigo mesmo, com o mundo e com Deus; é analisável em um conjunto de possibilidades cujo caráter é justamente não possuir, por si mesmo, nenhuma garantia de realização (ABBAGIANO, 1998, p. 400).

O Homem se vê mergulhado em angústia diante da dimensão de Ser, frente à possibilidade do Não Ser ou pelo temor ao seu Vir a Ser, por não conhecê-lo ou pela incerteza de não concretizá-lo. Sente-se incapaz de viver em liberdade de escolhas; teme escolher, principalmente optar por seu modo mais próprio de viver no mundo, de forma angustiada, mas preenchida de sentido e de incertezas.

Heidegger (1889-1976), afirmou em 1927 que a angústia também é o ponto central da existência. Por meio dela reconhecemos as possibilidades e as limitações humanas, principalmente a limitação temporal, ou seja, a morte. Estando em angústia, o Homem consegue perceber que seu Ser é um ser para a morte, não há escapatória, e assim vivencia esta vida limitada de forma plena.

A compreensão do morrer origina a escolha de possibilidades próprias e únicas, levando a um existir significativo a cada indivíduo. Esse processo torna-se possível devido à presença da angústia, não como algo paralisante e desencadeante de morte existencial, mas sim como experimentação do nada, daquele vazio que impulsiona para a movimentação do Ser, para a mudança nas relações e significações.

       A busca por um sentido para a vida humana, permeada pela angústia, também é vivenciada de forma singular e única. Há a necessidade de se encontrar um significado à existência humana e ao mundo em que vivemos. O homem precisa conhecer a si mesmo, dando significação ao que sente, ao que experimenta, ao que raciocina e ao que realiza. Esse sentido

não é um sinônimo de simples significado, é mais um rumo que apela, uma solicitação que se faz ouvir, um apelo obstinado que se insinua e persegue. Um fundo silencioso que abre a possibilidade da realização de nosso ser (CRITELLI, 1996, pp. 131-132).

Tal assunto mais uma vez marca a realidade dos consultórios psicológicos e terapêuticos que estão lotados de pessoas em busca de um sentido para sua existência, algo que funcione como o “princípio regulador essencial da vida” (PIERI, 2002, p. 450), bem como compreender suas angústias. Como ressaltou Irving D. Yalom (1996) em seu livro O executor do Amor:

[…] descobri que quatro dados são particularmente relevantes para a psicoterapia: a inevitabilidade da morte para cada um de nós e para aqueles que amamos, a liberdade de viver como desejamos, nossa fundamental condição de solidão e, finalmente, a ausência de qualquer significado ou sentido óbvio para a vida (YALOM, 1996, p. 4, grifo nosso).

Na história da Ciência, o movimento pensante que vigorou foi o metafísico ou positivista, o qual não conseguiu abarcar todas as questões relacionadas ao existir humano. Mesmo com todos os estudos desenvolvidos pela metafísica, o Homem sente-se vazio, repleto de indagações não respondidas. A autora Dulce Mára Critelli (1996, p. 23) ilustra bem essa situação quando diz que a fenomenologia “é o pensamento atuando diante de um vazio de sentido civilizacional”.

Elegemos em nossa reflexão o método fenomenológico, que se baseia em procedimentos analíticos e descritivos. A primeira característica refere-se ao desdobramento de relações, significados e conceitos de algo já dado e pesquisado. A segunda refere-se à descrição do fenômeno em si, que segundo Ana Maria Feijoo (2002) estuda o modo como o fenômeno se apresenta ao Homem e não a partir de [pré]conceitos e sistemas de verdades absolutas e fechadas, como proclama a metafísica, pois a verdade para a fenomenologia é provisória, mutável e relativa.

Considera-se, neste estudo, a relação sujeito cognoscente e objeto cognoscível. Não como relação neutra, mas como relação intersubjetiva, na qual há uma conexão entre o que se estuda e quem estuda, minimizando a objetivação pura e distante do conhecimento, característica do pensamento metafísico, que procura instaurar a possibilidade de conhecimento sobre a segurança de precisões metodológicas do conceito. Este trabalho considera o homem como ser no mundo, ele e suas circunstâncias (FEIJOO, 2002).

Procura-se entender o existir humano dentro de uma perspectiva ôntica, isto é, dentro das relações estabelecidas com o mundo e com os outros, permeada pelo que está presente na Era Pós-Moderna. Não se tem a pretensão de permanecer em uma discussão filosófica sobre a existência, sobre a estrutura ontológica, deixando essas questões à Filosofia.

2. PÓS-MODERNIDADE E RELAÇÕES AFETIVAS

A Pós-Modernidade, dentro das mais diversas áreas da Ciência, gerou questionamentos sobre o homem e seus relacionamentos com o mundo. Dentro da Filosofia e da Psicologia, surge a Fenomenologia, pensamento que traz a subjetividade para o estudo do homem pós-moderno.

Até então, a corrente predominante chamada de metafísica procurou objetivar todo o conhecimento, inclusive o homem, tendo por finalidade a mensuração, o controle, a explicação racional e a observação de todas as coisas, separando-os do sujeito cognoscente. Porém, a supremacia da razão e da objetivação distanciou o homem de si mesmo, o que pode ser percebido na frase “na medida em que estudamos o homem numa condição de objeto, é o mesmo que estudarmos o homem morto” (POKLADEK; SANTOS, 2002, p. 164). Esse distanciamento não permitiu estudar e compreender a existência humana enquanto ser que se inter-relaciona com os outros, com as coisas e com o mundo em que vive.

A Fenomenologia surge para a Pós-Modernidade não como algo que vai de encontro à metafísica, mas sim como algo que a complementa como fenômeno, pois uma só existe se a outra existir. Assim ela recoloca o homem na sua condição existencial, reconhecendo a mutabilidade, a flexibilidade e relatividade das coisas e dos conceitos construídos pela ciência empírica. Está preocupada com o modo de ser do homem pós-moderno que, segundo Heidegger (1927), entifica-se, isto é, perde sua condição de questionamento do ser, de existir para suas possibilidades, de ser o único ente capaz de pensar previamente sobre sua condição de existência e sobre o ser dos outros entes. A Fenomenologia vai se preocupar com questões que o homem não está se permitindo sentir, como a angústia e a busca por um sentido.

Na relação sujeito e objeto, a Pós-Modernidade privilegia a coisificação do homem, o esvaziamento dos significados dos seres e a preocupação com o fazer e não com o pensar. O homem não é visto como um ser total, é fragmentado para facilitar a sua mensuração, é visto também como uma mercadoria de consumo e objeto de estudo. Na sociedade atual, há a preparação dos indivíduos para o consumo, para a realização dos seus desejos e não para uma reflexão de seu ser, necessária ao existir humano. “A sociedade produtivista e consumista que, como vimos, leva inevitavelmente as coisas a valerem cada vez mais e as pessoas, cada vez menos” (MORAIS, 1997, p. 97).

A Pós-Modernidade também é caracterizada pelo seu caráter fast e pelo vazio utópico, “internamente esta geração é fast. […] o tempo que se permite esperar para que algo fique pronto é muito pequeno” (DAYAN, 2003, p. 12). A tecnologia atual impõe uma quantidade de informação muito maior em menos tempo, as pessoas se veem obrigadas a saberem de tudo em segundos. A falta de heróis, líderes e uma ideologia forte a ser seguida são conhecidas como falta de utopia. Não há no que se apegar, em que ou em quem acreditar; prega-se, ao invés disso, o desejo do Ter, o consumo (DAYAN, 2003).

       O Homem só poderá contemplar sua existência mediada por relações a partir do outro e com os outros. Porém, a sociedade em questão caracteriza-se pelo individualismo narcisista e pela possibilidade de se descartar qualquer coisa, inclusive a outra pessoa com a qual é estabelecido o relacionamento mais íntimo, não há tempo para se apegar. A máxima hoje é “seja você mesmo”, “siga teu sonho e realize teus desejos”, dificultando ainda mais o Homem Ser. Esse individualismo produziu o desaparecimento da consciência de classe e gerou a ética do consumo, inclusive o consumo das próprias pessoas.

Sobre o sujeito na família, encontra-se uma família nuclear também fragmentada e distanciada. Não existe um lugar para o diálogo entre pais e filhos; as pessoas estão sempre correndo, o tempo diário no trabalho aumentou; é exigido que os adultos dediquem-se mais ao trabalho e consequentemente há uma dedicação menor aos filhos, que vêm experimentando cada vez mais vivências de abandono; afinal, seus pais não brincam mais com eles, não os põem para dormir. Outro ponto a refletir é o divórcio, cujo número aumentou consideravelmente e que provocou mudanças significativas na estrutura familiar; na maioria das vezes, o filho vê-se obrigado a decidir entre o amor da mãe e o amor do pai, ou é acoplado a uma família que não é originalmente a sua (DAYAN, 2003).

Outro aspecto da atualidade é a perda da espiritualidade, da crença e da fé, que funcionavam como princípio unificador da humanidade e elemento central à vida, e que para Kierkegaard (18–) seria a solução para a angústia profunda. A crise de valores e crenças acarreta um vazio existencial também profundo. Geralmente os seres humanos preenchem suas vidas com superficialidade, com compras exageradas, com busca intensa por emoções, que geralmente são vazias, por não terem um sentido. Não conseguem se relacionar intensamente com uma pessoa diferente, pois, afinal, a cultura prega a competição, a rivalidade e a falta de tempo.

       Quando não é a falta de fé que assola nossa cultura é a retomada exacerbada ao sagrado. Há um retorno ao misticismo e uma exploração comercial da sensibilidade religiosa. A religião também é transformada em produto e é posta no mercado. O Homem não consegue vivenciar sua relação com o Sagrado de forma salutar. A repressão vivida até o momento imposta pelo materialismo é expressa, em muitas ocasiões, de forma desvairada e cheia de excesso, sendo aproveitada pelo capitalismo como algo que pode ser vendido ou trocado. Seria bom lembrar que existem pessoas que conseguem desenvolver a relação com o Absoluto, como designa Regis de Morais (1997), de modo a preencher seus anseios existenciais (PEREIRA, 2003).

Heidegger (1927) conceitua Pós-Modernidade como a era do “esquecimento do ser”, como dito anteriormente, em que não há o privilégio de uma existência do Ser, não há o cuidado do seu Ser nem o cuidado com o Ser dos outros, pois não há uma inter-relação com esses outros, pois a relação é mediada pelo ter, pela lucratividade, pela competitividade, pela superioridade de alguns sobre todo o resto. O vazio, o isolamento e a ansiedade preenchem o Ser e se apresentam como consequência existencial desse momento. Para Giovanetti (2002) só haverá superação desse vazio quando o homem conseguir construir um projeto de vida, descobrir seu real sentido e transformar esta sociedade individualista em uma sociedade solidária. Esse processo não é fácil e, mesmo que o homem já saiba como fazê-lo, devido ao prévio conhecimento de ser, não o consegue por ser muito angustiante ou por ainda não ter revelado a si esse projeto.

3. A ANGÚSTIA PELA ÓTICA EXISTENCIAL ORIENTADA PELA TEORIA DE KIERKEGAARD

Por se tratar de algo presente na vivência do ser humano, enquanto indivíduos ou grupos sociais, o sentimento de angústia permeia inúmeras pesquisas atuais. Foi estudado por diferentes autores, sob as orientações teóricas de Freud, Jung, Sartre, entre outros, principalmente por ser um tema vasto, intrigante e presente em toda a humanidade. Neste trabalho delimitamos o campo de pesquisa, estudando angústia em Sören Kierkegaard (1813-1855) e em Martin Heiddegger (1889-1976), sob a ótica fenomenológica–existencial, a fim de restringir e aprofundar o assunto proposto.

Kierkegaard (18–) utiliza a ótica cristã reformada, que esteve presente em toda sua vida, para esclarecer alguns pontos sobre a origem e existência da angústia. Isso contribui para uma compreensão da relação entre pecado, culpa e angústia, tão presentes na vida do ser humano e, como não se poderia excluir, do cristão pós-moderno. O tema da culpa não será exposto, tendo em vista que trabalhar com dois temas tão complexos foge ao objetivo deste trabalho, deixando a sugestão para pesquisas posteriores.

O autor em questão indaga sobre a origem do pecado e a existência do chamado pecado original. Naturalmente se atribui a Adão o pecado original, como se ele fosse o único a experimentá-lo; porém, naquele tempo só existia Adão e Eva, e seus primeiros pecados foram originais, assim como os primeiros de José, Maria, Manuel, seres humanos comuns. O que se tornou evidente, a partir de Adão, foi a possibilidade de todos se tornarem pecadores e humanos, pois ele só se tornou humano quando o tripé corpo, alma e espírito se uniram e formaram uma síntese, aparecendo consequentemente o sentimento de angústia e o pecado (KIERKEGAARD, 18–).

Para se tornar pecador, Kierkegaard afirma que o homem tem em sua existência uma pré-disposição para o pecado, isto é, a pecabilidade; por isso, Adão teria pecado e consequentemente conhecido a angústia. Antes de Adão e Eva comerem do fruto do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 1: 16 e 17), eles viviam na inocência, que seria o mesmo que ignorância. “Inocência é ignorância. Não é de modo algum o ser puro imediato [crítica a Husserl], mas a ignorância” (ibidem, p. 57).

 Adão só se percebe ignorante no momento que conhece a liberdade de escolha entre o bem e o mal, depois de comer da árvore do conhecimento e poder discernir sobre seu estado, o que o angustia. Assim o primeiro homem se angustia ainda mais por saber que antes de comer do fruto proibido já estava angustiado, senão não teria pecado, pois a falta provocada pela angústia e a possibilidade da pecabilidade o impulsionaram a pecar. Assim, percebe que não tem como se livrar desse sentimento chamado angústia, pois “fugir à angústia não pode porque a ama” (ibidem, p. 67). E é exatamente tal angústia que traduz a possibilidade de liberdade, tão sonhada e desejada.

Portanto, Kierkegaard expõe sobre a origem da angústia pelo proibido [não poder comer do fruto do bem e do mal] e pela consequência da quebra do proibido, isto é, conhecer a liberdade. Então a angústia passa a ser um sentimento presente em toda vivência humana, pois escreve: “quanto a haver homens que nunca experimentaram qualquer angústia, o fenômeno não é incompreensível: também Adão não a experimentasse se tivesse sido apenas um animal” (ibidem, p. 80). A angústia também está presente pela possibilidade de pecar, angustiando ainda mais o ser humano. E só haveria minimização desta (e veja bem, não há total anulação) quando se encontrasse a verdadeira Salvação ou Redenção Divina.  Toda a teoria kirkergaardiana sofreu forte influência da cultura cristã, desde seu nascimento, quando seu pai, o prometeu a Deus em sacrifício, como Abraão fez a Isaque (QUADROS, 2000).

Para entender melhor o fenômeno angústia, Kierkegaard divide-o didaticamente em: Angústia Objetiva e Angústia Subjetiva. A primeira se refere ao estado em que o Primeiro Homem se encontrava antes da queda, em estado ignorante ou inocente, no qual Adão desejava por algo que lhe faltava e que não será repetido por nenhum ser humano, pois este já nasceria sentindo a possibilidade do pecado e a presença da angústia, apesar de na maioria das vezes passar a vida inteira sem os compreender, não conseguindo entender o sentimento de falta. Para o autor, “a angústia tal como era em Adão jamais reaparecerá, porque Adão introduziu a pecabilidade no mundo” (KIERKEGAARD, 18–, p. 92) e cada pessoa experimenta a angústia de forma única e irrepetível.

Entende-se que Adão se encarregou de trazer o pecado à raça humana e não somente à sua vida. Ao se referir à angústia subjetiva, conta a seguinte história:

Pode se comparar a angústia à vertigem. Quando o olhar mergulha num abismo, há uma vertigem, que tanto nos vem do olhar como do abismo, pois que nos seria impossível deixar de encarar. Tal é a angústia, vertigem da liberdade, que nasce quando, ao querer o espírito instituir a síntese, a liberdade mergulha o olhar no abismo das suas possibilidades e se agarra à finitude para não cair (ibidem, p. 93).

Assim, o autor tenta mostrar que angústia e liberdade caminham lado a lado, indissociáveis. A possibilidade de escolhas revela-se para o homem muito angustiante, pois ao escolher algo, implica em deixar outras coisas, gerando mais angústia por não conseguir dar conta de toda a sua liberdade. “A angustiante possibilidade de poder” (ibidem, p. 68). Para ele, a liberdade seria limitada pelas necessidades e ilimitada pelas possibilidades.

A angústia em muitos casos é interpretada erroneamente pelo homem, sentindo-a como culpa ou remorso, como acontece com os cristãos frente ao pecado. Kierkegaard  demonstrará que a culpa do pecador será absolvida explicando o paradoxo temporal x eterno.

Tal autor afirma que o temporal é “a sucessão infinita do tempo, o qual é um presente infinito e vazio [o que não passa de uma paródia do eterno]” (ibidem, p. 130). Assim, temporal e eterno se complementam, um não existe sem o outro. Só há o primeiro porque existe o segundo e vice-versa. O eterno é concebido aqui como algo abstrato e imaginativo, coloca o eterno como representação da liberdade e do porvir. E retoma a angústia como consequência do eterno.

O Homem se sentiria angustiado pelo eterno? Talvez pelo medo e pela incerteza do eterno, do que irá ocorrer depois que o temporal se findar. Medo de seu destino, talvez. “Mas a eternidade ninguém a quer pensar ou todos a receiam, e a angústia inventa mil escapatórias” (ibidem, p. 230). Essa tese confronta a de Heidegger (1927) [que será conhecida mais tarde neste trabalho], na qual a angústia existe devido à finitude do homem. Será que esses dois autores não estão tentando dizer a mesma coisa, utilizando paradoxos? Até porque ambos procuram resgatar o sentido da existência humana, perdido com a pós-modernidade.

Para tentar resolver o problema da angústia e do destino, Kierkegaard propõe a fé como solução, pois por ela o ser humano percebe o Agir Divino, quando diz que:

A única coisa capaz de desarmar verdadeiramente os sofismos do remorso é a fé, a coragem de acreditar que a nossa própria condição é um novo pecado, a coragem de renunciar sem angústia à angústia – e isto só o pode a fé, sem que no entanto destrua a angústia: eternamente jovem, a fé vai-se desembaraçando sem cessar dos horrores da angústia. Eis o que só a fé pode; pois só na fé eternamente permanece e é a todo o instante possível a síntese. (KIERKEGAARD, 18–, p. 176)

Fé, esta entendida na visão kierkegaardiana como certeza interior que antecipa a infinitude. Segundo ele, “pela fé, a angústia ensina-nos a repousar na Providência” e diz ainda “Quando se é… aluno da angústia, só na Redenção se encontra o repouso final” (ibidem, p. 240 e 242).

Como já visto, o autor sofre influência da tradição cristã, porém nesse momento não é interessante a questão da fé em si como fenômeno sobrenatural e religioso. Busca-se estudar sim a “reação do indivíduo ante ao fato religioso” (NOÉ, 2003, p. 59), ou melhor, tenta-se compreender a relação entre fé e indivíduo como resposta a uma vivência angustiante à procura de um sentido. Para tanto, será utilizada como base teórica a Psicologia Fenomenológica da Religião. Assim, o fenômeno é estudado como se mostra a partir de uma experiência individual, por exemplo, a fé. Em que ela pode ou não contribuir para a experiência de angústia em determinado ser humano? Como a fé é representada ou experimentada nessa relação?

Kierkegaard traz outro ponto fundamental da angústia quando escreve que ela forma os indivíduos e é base constituinte para a existência humana, sem a qual não há o existir. Isso é visto na fala “O homem formado pela angústia é formado pela possibilidade e só aquele que a possibilidade forma está formada na sua infinitude” (ibidem, p. 232). Assim, para ele a existência humana é paradoxal e ambígua, a angústia é necessária ao existir humano para exercer a liberdade e as possibilidades, ao mesmo tempo em que ela promove um sentimento de falta de existência, sensação de incompletude, de vazio e de falta de um sentido vital. Sem angústia não há busca por um sentido, por uma existência.

4. A QUESTÃO DA ANGÚSTIA EM UMA VISÃO HEIDEGGERIANA

      Martin Heidegger (1927) estuda a Angústia por meio da relação Homem-Mundo. Pensa o mundo como rede de relações significativas onde essas acontecem. O Homem tenta a todo o momento transgredir a sensação de inospitalidade, de que o mundo o rejeita, por racionalizações. Para tal, o ser humano cria representações do mundo, das coisas e de si para conseguir entender essa sensação e relacionar-se com esses entes, esquecendo-se de que as essas são passageiras, estão sempre em mudança, são referenciáveis e não são reais. Isto porque a representação está entre a coisa e o sujeito pensante, se um muda, consequentemente, o outro se percebe obrigado a mudar. Quando a representação não consegue mais simbolizar a coisa representada, o homem percebe claramente essa inospitalidade do mundo, vivenciando, assim, o estranhamento.

Ao se perceber sem representação, o Homem está diante do nada, do vazio, sem sustentação ou, então, “sem chão”, como o dito popular. Essa nova possibilidade se caracteriza pela perda do sentido de Ser que outrora sustentava seu mundo e pela falta de conhecimento de como será o porvir, o que obriga o encontro deste vir a ser com a angústia, “que é justamente essa falta de compreensão” (CRITELLI, 1996, p. 124).

Ainda citando a autora:

esta experiência da inospitalidade do mundo, do nada em que se desfez ou ocultou o sentido que o ser fazia para nós, e da mais plena liberdade em que somos lançados independentemente de nosso próprio arbítrio, Heidegger a nomeia de angústia (CRITELLI, 1996, p. 18).

Esse desvelamento da angústia acontece individualmente. É percebida no isolamento, é raro e revelador, é fundamental ao ser humano, pois a angústia traz o Homem para a vivência autêntica, vivência das suas possibilidades enquanto escolhas próprias. Como escreve Pazinato (1998, p. 69), “não é, pois além daquilo que se é, mas, a assunção de escolhas que criam o ser em sua singularidade”. Isso revela que o Ser só é a partir de suas possibilidades, de suas escolhas. É o escolher a si mesmo. Essa tomada de posição leva a autenticidade, a se permitir viver em totalidade e singularidade ao mesmo tempo. O ser autêntico é um vir a ser, que pode ou não ser escolhido pelo homem, que experimenta a vivência da liberdade. Alguns preferem fugir a esse novo modo de ser, outros enfrentam esse desconhecido, esse vir a ser e escolhem a si mesmos.

O outro modo descrito por Heidegger (1927) é o modo de ser inautêntico, impessoal, que não prioriza a vivência da angústia, caracterizado pela cotidianidade, pela generalização, por viver como os outros vivem, por ser mais um na multidão, pelas massas populares alienadas, na qual todos têm as mesmas opiniões, os mesmos gostos, leem as mesmas coisas e vão aos mesmos lugares, não há priorização do processo de individualização, não no sentido egoísta do termo, mas no sentido singular.

O ser humano oscila entre essas duas modalidades, não há permanência definitiva, ora se encontra em uma, ora em outra ou ora vive autenticamente uma parte de seu existir, por exemplo, em seus relacionamentos, e ora vive outra parte na inautenticidade, continuando o exemplo, em seu lado profissional. Esse movimento é próprio do ser que é singular e plural, no qual a história individual de um homem acontece junta e ao longo da história de outros homens, “sem o outro, o indivíduo não é” (CRITELLI, 1996, p. 78). Esse Ser plural e singular recebe o nome de coexistência em Heidegger (1927). Assim, o homem habita um mundo que é comum a todos, e que ao mesmo tempo é preciso ser habitado, construído e cuidado individualmente.

Diante desse estado de angústia, de viver na inautenticidade e vislumbrar a autenticidade, o ser, para Heidegger (1927), abre-se a todo conhecimento, a todo o pensar e a todo o existir, de acordo com sua historicidade, isto é, de acordo com seu tempo e seu contexto. O ser abre-se para a projeção. Só se é Ser em projeção, lançando-se para frente. O homem se encontrará em angústia quando se distanciar do mundo, das crenças, dos valores e [pré]conceitos; quando se permitir viver suas possibilidades existenciais.

Com a mobilidade e fluidez dos sentidos e de representações constantes, o homem não se fixa a nada, nem ao seu mundo, nem aos outros. Isso passa a ser uma característica do homem, passa a fazer parte de sua natureza. Ele se permite ser um vir a ser, a ser o que desconhece e ao mesmo tempo teme.

A Era Cientificista, representante do mundo ocidental procura interromper essa fluidez, tenta dominá-la, controlá-la por meio de racionalizações, em respeito à razão, o que vem sendo insuficiente. O pensamento não consegue atender o vir a ser do homem. Essa preocupação exagerada de controle, de mensuração e de cálculo sobre o mundo afasta o sujeito do sentido de sua vida, algo que aparentemente tanto é buscado por ele. Quanto mais o homem procura racionalizar sobre si e sobre o mundo, mais distante fica de um sentido para o seu Eu, para o seu Ser. O pensamento surge ante a angústia de Ser diante do nada, do vazio, do estranhamento desse mundo em que ele vive e diante do seu vir a Ser.

Heidegger, com seu pensamento fenomenológico existencial, procura tornar essa racionalização em reflexão, o que segundo ele “é a coragem de tornar o axioma de nossas verdades e o âmbito de nossos próprios fins em coisas que, sobretudo, são dignas de serem colocadas em questão” (1957, 1960 apud CRITELLI, 1996). Esse autor propõe um questionamento do mundo e do ser do homem, a fim de quebrar paradigmas, e faz do pensamento uma das possibilidades do ser no mundo e não a única. Traz à tona uma reflexão até então evitada pela Ciência moderna, a finitude do ser. Mesmo com todos os esforços de se prolongar a vida pela medicina, pela estética e pelos avanços tecnológicos, a ideia da morte continua assombrando o Homem. Heidegger (1927) escreve sobre a angústia da morte, pois ela fará o encontro do existir humano com sua temporalidade, com seu término, pois traz ao homem a reflexão sobre todo o seu existir, sobre um sentido, sobre seu passado, seu presente, seu futuro e, possivelmente, sobre uma vivência autêntica em todas as camadas do seu Ser. Carvalho também faz uma reflexão sobre esse tema e escreve que “o processo de morrer é o horizonte e o limite do futuro” (2002, p. 223). Assim, estuda-se e promove-se uma vivência da temporalização com o intuito do Homem refletir sobre o sentido de sua existência, revivendo o passado e antecipando o futuro, o porvir, que segundo Stephan (2002) se refere ao que ainda não é, está voltado a, está lançado para.

Ao perceber a morte como fim de sua existência, o homem se angustia e pode escolher a superficialidade com intuito de não entrar em contato com essa angústia. Opta pelo modo inautêntico, mas é a partir da percepção desse modo que ele pode se libertar da existência impessoal, que poderá se abrir para a autenticidade. É a partir da inquietude provocada pelo seu modo de existir que se permite viver de outras formas, mesmo que isso signifique o encontro com o morrer. Neste encontro o homem descobre outro modo de olhar a morte, já que a todo o momento ela se mostra e se esconde, permanentemente, aos olhares, deixando algo a ser descoberto em cada percepção. Para Michelazzo esse novo olhar sobre o morrer:

nos ensina o lado autêntico e positivo da finitude de nossa existência, com a qual aprendemos o sentido de nossa singularidade, a tomar sobre nós mesmos a proximidade de nosso nada e o potencial sempre presente, porém dissimulado, do nosso não-ser. Mas, em última instância, aprendemos que, paradoxalmente, o nosso morrer é a expressão máxima de nossa liberdade, isto é, porque quando se superou a angústia da morte, se assumiu, em seu grau máximo, a finitude da vida. (2002, pp. 193-194).

A angústia da morte revela a singularidade e o brilho de cada existência humana. Mas para isso é vital que o homem entre em contato com essa angústia, com o seu acontecer, com a sua prévia condição de ser e consiga, assim, transpor a superficialidade, encontrando sentido para sua vida.

5. A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA

O ser humano há muito tempo pergunta-se sobre o sentido de sua vida, seja individualmente ou coletivamente, buscando, principalmente, responder qual o motivo de sua existência. Assim, constantemente indaga-se com perguntas como: Para que eu vivo? Por que nasci? Para que continuar neste mundo? Quem sou eu?

A Ciência Metafísica tentou responder essas perguntas, mas esse campo foi predominantemente ocupado pela Teologia e pelo Campo Místico, que se encarregaram de respondê-las sob uma visão religiosa ou pelas experiências espirituais, que sempre foram refutadas pela ciência empírica e pragmática.

         A fenomenologia surge nesse espaço deixado pela Metafísica e pela Teologia com a finalidade de compreender o fenômeno “busca de sentido”, a partir do olhar do interrogador que se lança para sua existência e abre-se para fazer essas perguntas e respondê-las, pelo menos as que se deixam mostrar e estão aí para serem respondidas. O sentido existe para ser descoberto pelos Homens e somente por eles, pois um objeto ou animal não inquirem sobre o motivo de estar no mundo. O problema do sentido, de acordo com Viktor Emil  Frankl (1905-1997) é característico da espécie humana e serve como força vital e propulsora para seu existir:

essa psicologia mais completa concentra sua atenção nos fenômenos especificamente humanos, como o desejo do homem de encontrar um sentido para a vida e concretizá-lo ou aquelas situações vitais que o obrigam a confrontar-se consigo mesmo. Pessoalmente delimitei essa necessidade humana por excelência por meio do termo teórico-motivacional “vontade de sentido” (1949 apud FRANKL, 1995, p. 265).

Mas o que o Homem realmente busca com essas perguntas? Não seria a vontade de encontrar um sentido para suas vidas, que de acordo com Valdemar Camon (1984, pág. 19) “é a propulsão motivacional da existência”. Sentido não como sinônimo de significados, mas como a possibilidade de escolher um rumo que dê direção ao Ser, que apele para o cuidado do Ser (CRITELLI, 1996). Ao escutar a si, escutar as perguntas que a vida se encarrega de fazer, o Homem consegue vislumbrar o sentido que possibilita a vivência de uma existência responsável e autêntica.

A busca de um sentido, segundo Frankl (1973), é única, impossível de ser copiada e mutável, ou seja, cada um busca um valor para sua existência de modo inigualável, vive essa procura de modo singular, de acordo com cada momento ou situação. Nesse sentido, aproxima-se da angústia que também é sentida nesses termos.

Essa busca é influenciada pela historicidade e temporalidade de cada pessoa. Cada um procura um sentido de acordo com sua história, contexto, meio social e personalidade, mas o inverso também é válido, essas situações são influenciadas pelo sentido, o rumo de suas vidas influencia o seu meio, seu contexto, sua vivência de tempo e espaço etc. O sentido permite ao homem se relacionar com o trabalho, com o cotidiano e com o nosso mundo de forma peculiar, singular e iluminada. Também valores e crenças estão presentes na busca.

Essa caminhada singular em busca de sentido pode acontecer independentemente da fase em que o ser humano se encontra. Não inicia somente na chamada Terceira Idade, como pensam alguns, quando “chega” o momento do balanço da vida e a necessidade de encontrar algo para o fim. Na adolescência, por exemplo, também se encontra o momento de busca: de valores, de escolha de uma profissão, de atitudes para realização de ideias. É vivenciado também como despertador de significações e em momentos perturbadores, que segundo Frankl são os momentos concretos de sofrimento e crise. Não que todo sofrimento gere sentido, mas diante de uma dor, de algo inevitável, a possibilidade de se encontrar sentido aumenta. O sofrimento servirá como intermediador entre a existência e um sentido para a mesma (FRANKL, 1973). Essa dor pode ser uma consequência da angústia existencial.

Esses momentos geram o vazio da existência, entendido como a vivência de não se ter um sentido, ou de se estar em morte existencial, pois, para Giovanetti (2002, p. 97),“a questão do sentido é algo constitutivo da natureza humana”. Quando não se tem um sentido ou busca por um não se vive, não se sente, não se comunica. Em muitos casos a falta de sentido é uma escolha, portanto, o sentido para a pessoa é não ter sentido. Parece difícil entender, mas em uma Era em que há somente priorização de objetos, de máquinas, do Ter ao invés do Ser, a vontade de se autoexterminar, de não viver acaba sendo maior do que a escolha de viver um existir próprio e único.

Podemos perceber também a falta de sentido pela escassez de contato humano, que passa a ter um papel secundário nas relações afetivas, do tédio e da indiferença. O tédio seria a falta de interesse e a indiferença à falta de iniciativa (FRANKL, 1973). O homem contemporâneo não demonstra interesse pelo mundo, por aqueles que o rodeiam, pela possibilidade de mudança; permanece no vazio ou foge dele escolhendo ser algo que não é ou algo que determinam que ele seja, em termos heideggerianos, escolhe a inautenticidade.

Diante do vazio, da escolha de não permanecer neste e da possibilidade do homem angustiar-se, ocorre o movimento em direção a um novo sentido. Repensa-se os valores, o modo de habitar o mundo, o corpo, a responsabilidade perante os outros e a si próprio. O modo que o ser humano encontra para expressar esse vazio e essa mobilização ao novo é por meio da linguagem, a qual é meio central da comunicação entre os indivíduos.

Pela linguagem, seja ela falada, escrita, gestual ou corporal, expressam-se as emoções ou estados de ânimo, como denominou Heidegger (1927). São as emoções que guiam a busca de sentido. É por meio delas que o Ser experimenta se algo faz sentido ou não, que se relaciona com os outros, que percebe a existência como algo acontecendo, acontecido e que está para acontecer (CRITELLI, 1994). São as emoções que permitem continuar ou não essa busca.

         A movimentação do ser para o sentido também é conhecida como procura por liberdade. Kierkegaard (18–) trata desse assunto quando escreve sobre a possibilidade do homem escolher entre o bem e o mal. É uma decisão humana, somente possível quando se conhece e vivencia a liberdade. Frankl (1973, p. 4) escreve: “o homem também só se revela como verdadeiro homem quando se eleva à dimensão de liberdade”. Para ele, a liberdade não é entendida como algo livre em si, livre de algo. Pois como é conhecido, o homem está sob as mais diversas condições, sejam elas biológicas, históricas, sociológicas ou psicológicas. A liberdade para esse autor é entendida como liberdade para algo, como tomada de decisão diante dessas condições. Tal decisão é equivalente ao modo autêntico de Heidegger (1927), no qual escolhemos ser algo que realmente nos é próprio e que nos realize como “seres-aí” dentro das diversas possibilidades que nos estão disponíveis.

Frankl (1973) ainda aborda uma questão dentro da liberdade, que, segundo ele, foi esquecida pelos estudiosos e psicoterapeutas, a liberdade do espírito. Acredita que o ser humano tem uma dimensão somática, uma psíquica e uma noética, isto é, espiritual. Assim, toda sua teoria baseia-se em questões noogênicas, inclusive a busca por um sentido.

Para a psicologia essa dimensão ainda provoca muitas divergências, mesmo para Frankl (1973), que em certos momentos indagou-se sobre a difícil tarefa e a periculosidade de se incluir o espírito na psicoterapia, principalmente quanto ao preparo dos psicoterapeutas, que poderiam impor aos pacientes seus pontos de vista, valores e crenças.

Assim, Frankl, ao falar de liberdade de espírito, menciona a falta de preocupação do homem religioso quanto ao sentido para o fim, pois este teria a Providência Divina como resposta. O homem religioso seria alguém que tem como interlocutor seu Deus, “é aquele que, ao atender ao falado, experimenta a vivência de alguém que lhe fala” (FRANKL, 1973, p. 97). É alguém que acredita na salvação e na vinda de um Messias, o qual proporciona paz de espírito e diminui o temor quanto à morte. Kierkegaard também trabalha com o conceito de homem religioso e espiritual ao falar da angústia do fim. Ele também acredita que o homem não poderia sofrer da angústia pelo fim da existência, pois tem na Redenção o alento para sua alma. Porém, como trabalhar com essa possibilidade de homem sem se indagar sobre suas angústias e busca de sentido ou mesmo fechar sua existência em uma possibilidade única?

Vale ressaltar que não se pode intuir ou se revestir de [pré]conceitos quanto aos cristãos, afirmando que não se angustiam, não sofrem pela finitude do ser e nem procuram um sentido para suas vidas [porque são filhos adoradores de Deus]. É necessário deixar que todos se mostrem por meio do desvelamento e ocultamento de seu ser, para que exerçam de modo pleno e mais autêntico possível seus “seres-aí” no mundo.

Ao estudar o espiritual, Frankl (1995) refere-se à existência de um sentido último ou final, que seria o sentido da própria vida como um todo, independentemente se o homem conseguiu ou não encontrar, ou mesmo concretizar um sentido individual. Para o autor, este sentido está estritamente ligado à fé, seja qual for a crença ou instituição religiosa. Acredita que a ciência empírica e a razão não são capazes de compreender esse fenômeno e, para estudá-lo, é necessário que os cientistas tenham uma disposição existencial, lancem mão da religião, que está presente em todos os seres humanos, seja em maior ou menor grau. Contudo, as crenças para o autor são vivenciadas como sistema de símbolos personalizados “que permite a cada ser humano falar uma linguagem própria quando se dirige ao ser último” (FRANKL, 1995, p. 276), no caso Deus superior ou ser interior. Ele não considera a religião como algo institucionalizado, alienante, repleto de dogmas, mas abre a possibilidade de perceber cada pessoa como um ser que tem o direito e a escolha de vivenciar algo incognoscível. Não se pode esquecer que sua teoria foi influenciada pela história pessoal, situação temporal e social.

Esse autor foi um judeu que passou por um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial por acreditar em um Deus e ser julgado como inferior em função da raça e credo. Assim, crer em Deus para ele “significa ter encontrado uma resposta para a pergunta sobre o sentido da vida” (EINSTEIN, 1950 apud FRANKL, 1995) e, como salienta Valdemar Camon (2002), a busca por uma espiritualidade não quer dizer busca por uma religião, pois, a espiritualidade faz parte da condição humana.

Outro autor que escreve sobre a importância da fé é Josias Pereira. Segundo ele, a fé pode ser entendida pelo diálogo entre Psicologia e Religião. É sim um fenômeno espiritual, mas também psicológico, por ser universal, individual, pessoal e exclusivo àquele que crê. A fé como fenômeno espiritual é revelação do divino, só um Deus superior é capaz de dá-la. Como fenômeno psicológico é parte integrante da existência, do ser racional, que transcende à razão. “A fé por si só se basta, não exige nenhuma explicação; apenas depende da aceitação” (PEREIRA, 2003, p. 26). Ela é entendida por ele como sentimento, o qual existe concretamente no ser que o sente, não como algo que se possa possuir, mas sim que emana das profundezas mais íntimas do ser. Como sentimento, é algo ainda misterioso para a razão, mas fonte de estudo para a Psicologia, principalmente por ser manifestada externamente. A fé independe de credo ou religião, pode ser sentida por todo ser humano, dependendo da disponibilidade individual.

A fé surge da necessidade do Homem em obter um ponto de sustentação para sua insegurança e fragilidade; como alimento para sua esperança e para a disponibilidade humana em crer. Ao se perceber frágil e inseguro, o homem busca, por intermédio da fé, crer em um Deus que atenderá sabiamente suas necessidades, contudo, por não tem certeza de que será atendido e respondido, duvida e a dúvida é propulsora da fé. “Isto é fé, é confiar em meio à desconfiança”(PEREIRA, 2003, p. 49).

A esperança é parte integrante da fé, pois aquele que crê espera que suas petições sejam escutadas e respondidas, mas sem esperar não há fé. Não há por que pedir, se não se espera que seja atendido. Esse sentimento é paradoxal, não se entende a fé pela razão, mas sem a razão não há sua expressão, pois ela passa pelo cognoscível para ser manifestada. Ela não emerge do numinoso, mas é criada na relação com ele. Há a dúvida da existência de algo ou alguém Superior, mas prefere-se acreditar nessa possibilidade para se ter fé. Tal situação paradoxal gera um conflito existencial. O ser humano precisa admitir-se limitado para crer em um Deus, mas quando é atendido, sabe que a resposta veio desse Deus e também de si próprio, pois esse Deus está dentro de si. Assim, o que antes estava cindido é unido, “pela fé o divino e o humano se fundem dentro da pessoa que crê” (ibidem, p. 67).

O homem consegue perceber que sua vida está além da temporalidade e da finitude, que tem outras possibilidades. A fé então passa a contribuir para um sentido, encontrar a razão de sua existência, muito além da perspectiva de vida tida até o momento (PEREIRA, 2003).

Outro aspecto da humanidade gerador de sentido é a consciência da finitude humana. Heidegger (1927) é o teórico que mais se aprofunda em tal assunto. Para ele o homem consegue encontrar um sentido para sua existência, ou seja, vivenciar o mundo de forma autêntica quando percebe sua limitação temporal. Ao sentir o fim, é possível valorizar a vida e experimentá-la de acordo com as possibilidades únicas e próprias [autenticidade]. Enquanto não há essa consciência, imagina-se que há somente a eternidade e as coisas são deixadas para depois, evitam-se as escolhas, permanece-se na inautenticidade. A escolha da vivência por um Ser autêntico no mundo, consigo mesmo e com os outros, possibilita novas formas de se relacionar, agir, fazer e ser, criando condições para a percepção de um sentido para a existência.

O processo de morrer é o horizonte e o limite do futuro. O que faz presente um misto de retomado do passado e antecipação do futuro. A temporalidade é o sentido da existência (CARVALHO, p. 223).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Angústia e busca de sentido para a vida permeiam toda a existência humana, independente de seu estágio de desenvolvimento, ressaltando somente os graus de acordo com as idades e percepção de sua angustia. Alguns períodos de crise, como ressaltou Viktor Frankl (1973), podem potencializar a angústia e consequentemente a busca por significações existenciais.

A angústia possibilita a movimentação do Ser em busca de um sentido, não estamos nos referindo à angústia paralisante presente em muitos quadros clínicos de depressão, e sim à angústia provocativa, a que incomoda o Ser. A que faz o ser se dirigir ao seu modo mais autêntico de existir. A sensação de vazio impulsiona a procura por significações. Para despertar essa peregrinação é necessária a angústia, mas para senti-la não é necessário se enveredar pelos caminhos de busca de sentido. Nessa procura, a angústia pode ser potencializada, pois ao se deparar com diferentes e múltiplas escolhas o Ser precisará escolher, pelo menos naquele momento, apenas por uma e, em função disso, não conhecerá as demais possibilidades. Essa conscientização de que o Ser é finito, tanto em escolhas quanto em tempo, provoca o sentimento de angústia e a busca por um sentido concomitante e interligado.

Há como estudar esses dois fenômenos separadamente, porém percebemos que eles andam lado a lado, conectam-se, encontram-se, aproximam-se, distanciam-se a todo o momento durante o existir. Referendado pela ótica fenomenológica-existencial, percebemos o ser humano como total coexistente no mundo com outros seres humanos totais que influenciam e são influenciados pelo tripé bio-psíquico-social, não excluindo de forma alguma o espiritual. A escolha por algo que proporcione sentido para a vida de um ser que vivencia a angústia existencial é um trajeto que acontecerá ao longo de toda a vida, é parte formadora e estrutural do Ser-Homem.

 O ser humano percebe-se angustiado e em muitos casos não sabe como “lidar” com isso, paralisando, abafando suas sensações ou até mesmo anulando-as, muitas vezes adoece e, ou mergulha em uma tristeza profunda, não conseguindo dar continuidade ao seu ser, bem como conhecer outras possibilidades. E também há aqueles que conseguem se expressar, independentemente de suas limitações existentes e escolhem conhecer a si mesmos, e então rumam para uma vivência mais autêntica e responsável, permeados pela angústia com um objetivo de encontrar algo que preencha o vazio de suas vidas e lhes proporcione sentido existencial.

A todos os que estão nesse caminhar, angustiando-se e encontrando o sentido de suas vidas, desejamos uma vivência autêntica do Ser.

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         A autora optou por uma edição mais antiga desta obra, sem data, em função da suposição de sua tradução guardar maior fidelidade às ideias do autor.

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             Há uma discussão acadêmica sobre o termo Pós-Modernidade. Alguns autores acreditam que a Modernidade, a qual se consolidou a partir do ideário da Revolução Francesa, não acabou e que não se pode falar em pós porque depois dessa época o que existiria então? Esses preferem usar o termo Atualidade ou até mesma Modernidade. Utilizaremos o termo Pós-Modernidade para designar o conjunto de características da época atual.

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